Arcebispo de Goiânia recebe mães de adolescentes mortos em incêndio do CIP

Da esquerda para direita: Pedro Wilson Guimarães (Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino); Arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz; e as mães Marilene Martins Araújo, Luciana Lopes, Jouse Guimarães Elias.

Os representantes das entidades presentes agradeceram ao Arcebispo de Goiânia pela acolhida

O Arcebispo de Goiânia Dom Washington Cruz, recebeu, na terça-feira (19) na Cúria Metropolitana, as mães de três adolescentes mortos no incêndio do Centro de Internação Provisória (CIP), que funciona de forma irregular no 7˚ Batalhão da Polícia Militar, no Jardim Europa. Dez adolescentes que estavam na cela 1 da unidade foram carbonizados no dia 25 de maio durante um incêndio que ainda está sendo investigado pela Polícia Civil.

“Lamentamos muito, sofremos junto com cada uma de vocês. Nada no mundo vai conseguir suficientemente confortar seus corações. O que puder ser feito, vamos fazer”, afirmou o Arcebispo, dizendo que irá refletir sobre tudo, reunindo-se com os integrantes da Pastoral Carcerária para pensar a melhor forma de ajudá-las.

Luciana Lopes, mãe de Lucas Ranyel; Marilene Martins Araújo, mãe de Eliseu Araújo Castro; e Jouse Guimarães Elias, mãe de Wallace Feliciano Martins; foram acompanhadas pelo ex-prefeito de Goiânia e membro da coordenação executiva do Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino, Pedro Wilson Guimarães; a representante do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, entidade que compõe o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, Mônica Barcellos Café; e a conselheira do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) – 19˚ região e conselheira tutelar pela Região Oeste de Goiânia, Katia Regina Neres Reis.

As mães fizeram relatos comoventes a respeito da tragédia vivida e pediram o apoio e a solidariedade de Dom Washington Cruz para que o caso não fique sem resposta, seja apurado de forma transparente, rápida, e que os demais adolescentes do sistema socioeducativo tenham um atendimento digno e humano.

“Meu filho queria viver, ele cuidava de mim, me ajudava em tudo. Sou mãe de cinco filhos e cuidei de todos sozinha. Por mais que meu filho tenha errado, era meu filho. A dor só aumenta, estou sem chão. Estou indignada, sem resposta, ninguém do estado de Goiás chegou e perguntou se eu precisava de um apoio psicológico sequer. Tenho sentimentos. Sei que o senhor não tem as respostas, mas pode ir atrás de uma resposta para nos ajudar?”, perguntou Jouse Guimarães.

Marilene Martins contou que Eliseu queria muito conhecer seu próprio filho, que nasceu quando ele estava internado no CIP. “Na última vez que fui, ele me pediu pra levar o bebê pra ele conhecer. Eu via a mudança no olhar dele. Ele me abraçou, disse que ia mudar por mim e pelo filho dele recém-nascido. Ele só tinha 17 anos. Mandaram a foto dele queimado por whatsapp, vi que era ele por causa da santa que ele tatuou no braço, que ele dizia que recebia a proteção. Se estiver ao alcance do senhor nos ajudar, eu quero ajuda”, disse ela.

Luciana Lopes, por sua vez, disse que estava esperançosa porque Lucas estava estudando, já havia feito três cursos e ainda ajudava na faxina do Centro de Internação. “Também recebi a foto dos meninos carbonizados, amontoados no canto da cela. Quando foram dar a notícia, só falaram os nomes dos vivos, quando perguntei pelo meu filho, a mulher abaixou a cabeça. Foi assim que recebi a notícia. Não pude nem vestir roupa nele pra enterrar, porque senão ele desmanchava. Não explicam nada em lugar nenhum. Meu filho amava viver. Ele estava estudando. Me escreveu uma carta dizendo que ia cuidar de mim e dos irmãos. Não pude dar um abraço nele antes de enterrar. Achava que lá meu filho estava seguro, que ia sair transformado e aprender a viver”, desabafou a mãe de Lucas.

Os representantes das entidades presentes agradeceram ao Arcebispo de Goiânia pela acolhida e disposição de escutar os relatos das mães como um gesto importante de apoio.

A conselheira Katia Regina reafirmou que tratou-se de uma tragédia anunciada. “Em parceria com o Conselho Regional de Psicologia e de Enfermagem, fizemos visitas, audiências públicas, para averiguar a situação e as denúncias de violações de direitos humanos. Todos tinham conhecimento da situação precária, inclusive os próprios órgãos do governo como o Gecria. Infelizmente, apesar de termos lutado, não conseguimos evitar a tragédia. É uma situação irregular há mais de 20 anos. O estado foi omisso e existem outros adolescentes em outros centros de internação enfrentando violência e descaso. Não podemos aceitar, tem que ter um basta”, afirmou.

Já Mônica Café apresentou um breve relato a respeito das condições precárias do sistema, do ambiente de violência, insalubridade e ausência de atividades educativas e de ressocialização. “Temos denunciado com documentos, fotos, relatórios do Ministério Público e da Defensoria Pública, mas o estado não toma providências. Não pode cair no esquecimento. Precisamos ajudá-las a superar essa dor”, pediu.

“Não temos oficialmente pena de morte no país, mas na prática, ela existe. Hoje, existe muita propaganda na sociedade do prende, mata e arrebenta. Isso nunca resolveu. Um estado verdadeiramente democrático tem o dever de dar respostas. Somos solidários, estamos fazendo a denúncia. Não pode ser simplesmente um fato consumado, impune, as mães vão pra casa, choram e fica por isso mesmo. Recorremos ao compromisso do senhor, do Papa, de toda a igreja para apoiar a luta por justiça e contra todas as formas de violência”, disse Pedro Wilson.

O Ministério Público de Goiás já havia pedido, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta celebrado com o Estado de Goiás e também por meio de ação judicial, a desativação da unidade onde ocorreu o incidente, que apresentava superlotação e condições inadequadas para o atendimento socioeducativo dos jovens. A Defensoria Pública também já havia se manifestado da mesma forma, assim como entidades de defesa de direitos humanos.

Um amplo relatório de violações de direitos humanos no sistema socioeducativo goiano foi elaborado pelo Fórum SINASE GO, que apontou: superlotação, insalubridade, precariedade da estrutura física, falta de atividades pedagógicas, lúdicas e encaminhamentos básicos (CAPS, escolas, unidades de saúde), ausência de atividade profissionalizante, assédio moral, prática de tortura, equipe técnica sem autonomia, ausência de atividades culturais e de lazer, violência policial, registro de rebeliões e assassinato nas diversas unidades do sistema socioeducativo de Goiás. O documento foi entregue para autoridades goianas e nacionais no fim de 2017.

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