Comunicação & Problemas | O Mário que sabe das coisas e uma velha, bela amizade

 Dez-05 (31.12.2016–06.01.2017)
Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960) 
[email protected]

Pingos nos ‘ís’

    Em recente entrevista à GloboNews Mário Vargas Llosa (foto), notável escritor peruano, Nobel de Literatura, um dos mais talentosos ficcionistas e intelectuais de nosso tempo, coloca os pingos nos ‘is’ e esclarece de uma vez por todas: não foi a esquerda, mas o populismo latino-americano o grande derrotado na Argentina e no Brasil no ano que ora finda; breve ele terá igual destino na Venezuela e depois na Bolívia e Equador.

    (Mário não disse, mas essa nova modalidade de ‘caudilhismo’ já fora extirpada do Uruguai, Peru, Colômbia e sequer tivera chance no Chile pós-Pinochet).

Demagogia ascendente

    Vargas é excelente analista da cena latino-americana e mundial, como ficou claro na citada entrevista e antes demonstrara em ensaios críticos dos desvios de nossa esquerda, os mesmos que desembocariam no populismo.

    Gostaria de conhecer-lhe a opinião sobre um mais recente neopopulismo, que nem tenta camuflar-se sob discurso progressista, como o daqui. Ao contrário, esta nova contrafação da política escancara-se ultrarreacionária no Estados Unidos prestes a afundar na demagogia racista e xenófoba de Trump.

Ameaça reacionária

    Tão horrenda quanto é a carantonha desse esdrúxulo, anacrônico populismo no Reino Unido, sob a loucura do ‘brexit’.

    Pior: quase toda a Europa está sob iminente risco de sucumbir a feroz reacionarismo. Estão ameaçadas França, Itália, Holanda, Bélgica, Espanha, Áustria… e as trevas já caíram sobre Hungria e Polônia.

    Por enquanto salva-se a Alemanha, malgrado saudosos do nazismo (um velho populismo…) tentem contestar o tradicional e civilizado conservadorismo liderado por Angela Merkel, porque agora temperado com solidário acolhimento aos refugiados do Oriente Médio.

Estranha mudança

    Fico a imaginar, soubessem desses absurdos, a perplexidade de grandes líderes do Ocidente, conservadores ou liberais-progressistas de um passado nem tão remoto – entre os primeiros Winston Churchill, Dwitgh Eisenhower, Charles de Gaulle, Conrad Adenauer, do outro lado Clement Atlee, Franklin Roosevelt, François Mitterrand, Helmut Schmidt.

    O que diriam? destes estranhíssimos tempos nos quais conquistas fundamentais da democracia como a igualdade entre os seres humanos, a proteção dos mais fracos são negadas pelos líderes de duas das nações mais tradicionalmente libertárias do Ocidente, Eua e Reino Unido? E defenda o legado democrático justo a chanceler da Alemanha, nação de mais recente adesão aos ideais democráticos?

 

Imaginem só:

    Não sei, ninguém sabe o que pensariam. Mas é instigante imaginar suas reações, se por magia retornassem ao mundo dos vivos.

    Eisenhower, o conservador que primeiro denunciou o ‘complexo industrial-militar’ precursor do fundamentalismo capitalista, talvez dissesse que ‘não foi para isso que ganhamos a guerra’.

    Atlee haveria de lastimar a submissão da gloriosa Inglaterra ao novo império, afora o desmonte (sob Thatcher) do wellfare state que seu Labor Party construíra.

    De Gaulle faria o mesmo quanto à Franca e ante o atual desacerto pespegaria a seus pares um arrogante ‘Eu não disse…?’

Desconcertos

    Roosevelt, político sagaz, provavelmente diria nada; mas sua mulher Eleonor atiraria impropérios a Donald Trump.

    Adenauer cobraria da União Europeia mínima competência na gestão comunitária, e dos compatriotas apoio incondicional a frau Merkel, legítima continuadora.

    Mitterrand ficaria pasmo: ‘Pas possible!’, francesas e franceses sequer haveriam de ouvir os primarismos dos Le Pen, pai e filha.

    Schmidt lamentaria o sonho quase desfeito de sua Europa: ‘Eu bem avisei, a união deveria construir-se pela cultura, não pela economia’.

    E Churchill, ante o desconcerto geral, entre goles de seu scotch exclusivo (by appointment, of course) e baforadas de havanas idem, presenteados por Cabrera Infante, dispensaria as habituais frases mordazes para apenas murmurar, entre dentes: ‘Disgusting…’.

Navegador solitário

    Roldão Simas Filho repassa-me mensagem de Hiram Reis e Silva, velho conhecido dos leitores desta coluna.

    Lembro aos meio-esquecidos: Hiram é aquele coronel da reserva do Exército que já navegou dezenas de milhares quilômetros, de caiaque (sim, num frágil barquinho a remo) nos grandes rios amazônicos; nessas solitárias aventuras descreve as maravilhas da região e também os perigos que a ameaçam, com o fito de motivar a opinião pública para a importância de nosso ‘grande Norte’.

Fidelidade

    Dessa feita, no entanto, o bravo expedicionário fala não de suas epopeias porém de dramas pessoais, pungentes. Cita trechos de um sentido poema do conterrâneo José Itajaú Oleques Teixeira, intitulado Meu cachorro fiel:

    “Será […] o ser humano capaz/de fazer o que ele faz?,/de ser leal, companheiro,/de se entregar por inteiro/em função de uma amizade? […]

Tristezas

    Depois ele conta o triste encadeamento de fatos que o levou a tais conjeturas:

    “Na quarta-feira, 07.12, o insano emprego de fogos de artifício por torcedores do Grêmio ceifou a vida de Simbad, o cãozinho de estimação de minha filha. [No domingo seguinte] foi a vez da Tutty, a doce cachorrinha de minha namorada Rosângela, vítima da idade, partir também para o Oriente Eterno.”

 

Rito primitivo

    Mais que o emprego insano, verberado pelo poeta-cronista, penso que se deveria questionar qualquer uso e até a existência de fogos de artificio, sobretudo pelos riscos que impõem à vida.

    Ademais, por quê? comemorar qualquer coisa com barulho, explosões? – querer-se-ia evocar um suposto aspecto heroico da guerra, romantizar-lhe a pura e nua crueldade? A vitória de um clube, uma passagem de ano bem poderiam festejar-se de maneira menos primitiva.

    Admito, contudo, a inutilidade de meu protesto: foguetório é costume arraigado desde que os antigos chineses inventaram a pólvora, consta que só para comemorações…

Bela velha história

    Em vez de malhar ferro frio, prefiro agregar à velha e bela história de amizade entre humanos e caninos a homenagem de Belmiro Braga, poeta mineiro (nascido em Ibitiguaia, o então distrito de Juiz de Fora que hoje, município, tem seu nome), ao fiel companheiro:

    “Pela estrada da vida subi morros,/desci ladeiras e afinal te digo:/se entre amigos encontrei cachorros,/entre cachorros encontrei-te!, amigo.”

 

    E é com essas belas histórias de amizade, fidelidade que lhes desejo, leitores amigos, um

feliz ano novo!

    (se possível sem foguetes, rojões…)

Seja o primeiro a comentar on "Comunicação & Problemas | O Mário que sabe das coisas e uma velha, bela amizade"

Faça um Comentário

Seu endereço de email não será mostrado.


*