Comunicação & Problemas | Outro ano inconcluso. E duas boas ideias

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

 

Tragédia e farsa

E não é? que 2016 teima em não terminar? ‘A história se repete’, dizem os apressados, mas equivocam-se: quando parece fazê-lo, faz não mais que paródia. Ou, a melhor dizer, com Marx (que interpreto como me acode à memória):

“Fatos da história podem ocorrer duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa.”

 

Esperança, desespero

Paródias em torno do título do livro de Zuenir Ventura – 1968, o ano que não terminou, já na capa interpretação brilhante de um tempo escuro – têm sido usadas para nomear o ano recém findo. Mas a analogia não procede, não sem trocar o sinal.

Aquele ano não terminou porque se frustraram em sua abrupta interrupção – na sexta-feira 13 de dezembro, a do Ai-5 – as esperanças de um Brasil livre, solidário, melhor. Em vez disso mergulhamos no desespero.

 

Ano inconcluso

Já 2016 parece inconcluso por razões inversas. Foi um ‘ano curto’, começou no quinto mês com o afastamento de Dilma, quando se sustou o prolongamento do trágico 2015 e suas revelações de ‘estelionato eleitoral’ no ano anterior.

Mas poderá ser o primeiro de uma guinada positiva, afastado de vez o populismo petista e restrito à transição o governo que assim se denomina ao qual cabe transitar, nesses tempos incertos, nas correções inadiáveis e preparar terreno para mudanças mais profundas que, se assim desejar, a sociedade decidirá em 2018.

 

Trágica incompetência

Mais uma tragédia em penitenciária, 60 mortos em Manaus, muitos deles decapitados, desmembrados, incinerados. Na esteira do absurdo revelam-se outros: li n’O Globo (04.01) que cerca de dois terços dos presídios sequer dispõem de meios de bloquear celulares e detectar o ingresso de armas, explosivos, dos próprios telefones…

 

Boa ideia

A tragédia parecerá ainda maior ao notar-se que superlotação, uma de suas causas, pode ser superada mediante solução simples e de baixo custo.

Sugere-a Marcelo Alcoforado no site A propósito, sob a forma de ‘prisões-acampamento’ como as adotadas no Arizona, Eua.

Como diz o nome elas assemelham-se a acampamentos militares de campanha, com instalações de lona, cercados e sob forte vigilância.

 

O que é pior?

            “Claro que muitas vozes se alevantarão – antecipa Alcoforado e repele-as com uma pergunta:

“Qual seriam as cadeias mais primitivas, as do Arizona […] ou as brasileiras?” – em que se repetem chacinas como a de Manaus?, acrescento.

(Para saber mais da sugestão acessem [email protected])

 

Prevenir conflitos

Outra boa ideia, gerada na constatação das divergências entre os poderes do estado, que ameaçam descontrolar-se – já aconteceu, recentemente –, produziu Everardo Maciel em artigo no Estado de S. Paulo (05.01):

“Não seria oportuna a celebração de um pacto entre os poderes visando a uma proposta de normas que prevenissem os conflitos institucionais?”

A proposta tem a sabedoria das coisas simples.

 

Cuba, o velho e o novo

De minhas anotações sobre Fidel Castro escreveu Virgínia Helena Viana Rocha, persistente leitora (obrigado!):

– Fidel, personagem em construção: a morte do líder não conclui um ciclo […], o ideário segue sob Raul […]. Cuba volta-se para a economia liberal – claro, ao modelo China. O porto de Mariel é amostra disso, visa à rota ágil e curta de navegação comercial […]. Lamentável, no caso, que os frutos dessa operação tenham sido outorgados a outrem que não ao Brasil que ‘financiou a obra’ com juros subsidiados do Bndes.

 

Sem o Brasil

Com a lucidez habitual Virgínia percebe que, mesmo sob o ideário de Fidel Cuba deverá mudar, nem que seja em parcerias com o capitalismo. Ressalta a importância do porto de Mariel e lamenta que ninguém registre os financiamentos do Bndes, que o viabilizaram.

Endosso-lhe as constatações mas discordo do pessimismo ante a participação do Brasil nos frutos da operação.

 

Com o Brasil

Parece-me que a presença econômica do Brasil em Cuba, deflagrada há coisa de três décadas e intensificada no governo Lula, tem sido mutuamente proveitosa.

De um lado ajudou Cuba a resistir ao iníquo bloqueio dos Estados Unidos, contribuiu para minorar o consequente sofrimento de seu povo e foi decisiva na abertura econômica da Ilha, com a presença de empresas brasileiras (financiadas pelo Bndes) em obras de infraestrutura das quais Mariel é um emblema.

 

Mais Brasil

De outro lado a normalização das relações entre Cuba e Eua, celebrada com a benvinda intermediação do papa Francisco e precedida de pacientes gestões nas quais nossa diplomacia teve importante papel, favorece a expansão do comércio brasileiro não só com a Ilha e demais Caribe mas também América do Norte e Central.

 

Parceria cultural

Nesse processo a presença de empresas brasileiras fortalece antigas e inaugura novas oportunidades comerciais.

Na esteira desse intercâmbio a parceria cultural tenderá a crescer, a reafirmar a afinidade entre brasileiros e cubanos.

E de tudo isso resultarão novos impulsos à liberalização de Cuba, bônus adicional para os que creem que a democracia haverá de consolidar-se, no mundo e em cada nação, na medida em que se estenda a todos os povos.

 

Rara conjunção

Vale a pena reiterar o acerto do estreitamento dos laços entre Brasil e Cuba, especialmente no governo Lula (o mesmo ocorreu, aliás, em relação às demais nações latino-americanas e às pontes transoceânicas que nos aproximaram da África, cujos povos confluíram decisivamente em nossa formação).

E lembrar que tudo isso resultou de estratégia longamente gestada pela diplomacia brasileira, efetivada num momento de rara conjunção entre os objetivos nacionais de longo prazo e os interesses imediatos do capitalismo tupiniquim.

 

Em vão escuros

De volta à querida leitora Virgínia Helena destaco-lhe a glosa destes tempos estranhos em que nos é dado viver, que preferiu expor em instigantes versos:

[…] Ave República!,/tempos hás de ver/em que os filhos teus/não fogem à luta,/se lhes entrega a fome/e, no rosto, justiça rota/urdida em vãos escuros […].

 

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