Estava escrito, só não quiseram ler

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)

 Marco Antônio Pontes

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Lula preso

Estava escrito. Não nas estrelas, como na canção popular lançada pela sul-mato-grossense Tetê Espíndola, assinada por seus coestaduanos Arnaldo Black e Carlos Rennò – lá se vão quarenta anos…

Nem se trata do fatalismo geralmente associado à cultura islâmica, vulgarizado no Brasil pelo arabista Júlio César de Melo e Sousa; ele assinava-se Malba Tahan e o título de seu livro mais famoso, Maktub, quer dizer… estava escrito.

Lula preso (ii)

Muito menos o escreveram ou narraram repórteres, editorialistas, comentaristas de política: quase todos duvidaram, sucessivamente, de que Lula fosse investigado, indiciado, julgado, condenado; foi, e acharam que a sentença seria revogada na segunda instância; deu errado (pra ele) e pensaram que Stj ou Stf haveriam de livrá-lo da cadeia, talvez até da inelegibilidade. Falharam de novo, e também ao duvidar de que Lula seria de fato preso. Mais adiante arrisco explicar por quê.

Lula preso (iii)

Mas estava escrito nos códigos, conforme os mandamentos da Lei maior: quem comete crimes e é por eles investigado, indiciado, condenado em estrita obediência à lei e ampla garantia do direito de defesa – afora demais direitos, como o de duvidar e reclamar (até abusivamente) de cada passo do processo, manifestar-se contra tudo e todos e acusar juízes, tribunais, mesmo o Supremo!, de conspirações e manipulações –, necessariamente será preso.

Lula preso (iv)

A estratégia dos advogados do ex-presidente foi desmantelada por dois reveses ocorridos no mesmo dia. Por volta de 40 minutos de quinta-feira o Supremo Tribunal Federal encerrou uma longa sessão que recusou o habeas corpus em favor de Lula, dado como certo e no fim da tarde o Trf-4 surpreendeu-os ao considerar esgotadas a possibilidades de recurso e autorizar imediata prisão.

Foi essa, contudo, a única surpresa no longo contencioso. Contavam os criativos causídicos com mais alguns dias, até terça ou quarta-feira para engendrar algum milagre e prorrogar o momento fatal.

Lula preso (v)

Agora só lhes resta improvisar, inventar saídas. Missão impossível, embora a enfrentem o competente Zanin, estrela em ascensão, o consagrado Batochio, ex-presidente da Oab e até Pertence, reverenciado ‘guru’ de ministros do Stf que frequentemente o citam em seus votos.

Ainda que o objetivo não seja inocentar o cliente, apenas ganhar tempo para que siga em campanha e salve algo de seu partido, até isso é improvável.

Preso, Lula terá escassas condições de influir no pleito, sabe disso e também o sabem seus súditos.

Lula preso (vi)

A propósito, naquela sessão do Stf a defesa de Lula inadvertidamente ajudou os que denunciam a quase infinita possibilidade de recursos sobre recursos, agravos e “agravos de agravos” (absurdo a reeditar absurdos) e demais chicanas que eternizam julgamentos e inviabilizam justiça.

Consumada a recusa do hc, o dedicado Batochio tentou duas proposições natimortas: quis impedir que a presidente votasse e pediu salvo-conduto para o cliente até que a Corte talvez mude, só talvez, o entendimento sobre execução de sentença confirmada em segunda instância.

Ofereceu oportuno, concreto exemplo de como se usam dispositivos legais para adiar decisões e alongar processos, mirando a prescrição.

Lula preso (vii)

Observo agora a imprensa e sua hesitação em perceber que a causa de Lula perdera-se faz tempo.

Veículos e jornalistas revelam temor quase supersticioso de Lula e sua gente. Reverência à importância do político?, sua persistente liderança?

Pode até ser, em parte, porém mais me parece efeito da estratégia petista de intimidar e constranger a mídia e todos nós – pois não inventou um pig, “partido da imprensa golpista”, coautor do “golpe” do impeachment?

Assim jornalistas sentem-se obrigados a provar imparcialidade em cada matéria, frase, palavra e submetem seu trabalho a perverso parâmetro: em dúvida, pro Pt.

Lula preso (viii)

Mais que a estratégia dos advogados, que mesmo surpreendidos preservam bom senso e cautela, a da hierarquia petista enreda-se no fato novo e irrecorrível, a prisão de Lula.

Encastelados na imponente sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, os principais líderes e o jefe ‘bateram cabeça’ desde o fim da tarde de quinta-feira, sem acertar no que fazer. Afinal deslancharam movimentos táticos visando a estimular a militância.

Tiveram algum êxito, mas arriscam comprometer toda a estratégia, a política como a jurídica.

Lula preso (ix)

O maior sucesso foi a arregimentação de considerável número de adeptos em torno do edifício. Nada parecido com as multidões que os sindicatos, depois o Pt mobilizaram no passado, na mesma região, berço do movimento operário sob a ditadura e do próprio partido. Ainda assim, muita gente.

Menos expressivas foram as manifestações Brasil afora, que (ainda bem!) estiveram a léguas de cumprir ameaças como “parar o país”, “incendiar as cidades” – figuradamente, acreditava-se.

Lula preso (x)

Afinal o que mais impressionou – negativamente – foram iniciativas de baderneiros que de fato atearam fogo, se não às cidades, a pneus velhos e demais lixo para interromper o trânsito em estradas e vias urbanas.

Pior: militantes raivosos, portando bandeiras do Mst (seria o “exército de Stédile” com que nos ameaçara Lula?) vandalizaram o edifício em que a ministra Carmem Lúcia tem apartamento, em Belo Horizonte.

Outros atacaram jornalistas. Estaria em curso uma guerra de extermínio à “mídia golpista”?

Lula preso (xi)

À porta do bunker lulista de São Bernardo um cidadão que destoou dos circunstantes foi espancado e ao tentar fugir empurraram-no contra um caminhão que passava; sofreu traumatismo craniano, submeteu-se a cirurgia e segue internado, com a vida em risco.

Até pelo local em que ocorreu, a tentativa de homicídio foi emblemática do risco assumido pela chefia petista, de açular a militância. Ao exacerbar a vitimização do líder “perseguido e injustiçado” botou mais fogo no discurso do ódio e incentivou agressões – que ainda podem repetir-se, fugir do controle, gerar reações e… hoje não quero pensar o impensável.

Lula preso (xii)

De cima do caminhão feito palanque da “resistência” cometeram-se todos os exageros.

Um senador conclamou Lula a não se entregar e provocou a Polícia Federal, o Ministério Público, o Judiciário: venham prendê-lo aqui, se puderem – é o resumo da ópera. A presidente do Pt, parlamentares, sindicalistas e oportunistas de vária estirpe aplicaram-se em jogar gasolina no incêndio (metaforicamente, no caso).

Enquanto isso os aturdidos advogados e líderes menos afoitos tentavam alguma racionalidade. Os advogados não economizaram o arsenal e apelaram sucessivamente ao Stj e Stf. Tudo em vão.

Lula preso (xiii)

A desenvoltura com que o Pt afronta a Justiça compromete a estratégia dos advogados, que terão de administrar a condição do cliente preso; eventuais atenuações das duras condições do cárcere – qualquer cárcere – poderão inviabilizar-se pelo atual comportamento de Lula.

Imagina-se que poderia obter na cadeia concessões e benefícios, a exemplo dos já assegurados pelo juiz Moro. Depois, talvez, passaria do regime fechado para o domiciliar, em função da avançada idade e saúde precária. Tudo isso a depender de bom comportamento, desde já.

Lula preso (xiv)

Não se iludam os seguidores do ex-presidente com possível inversão do entendimento do Stf quanto à instância que autoriza cumprimento de sentenças.

Se contam com a ministra Rosa Weber, podem ‘tirar o cavalo da chuva’: seu voto que negou habeas corpus a Lula e reafirmou apego ao trânsito em julgado antes da prisão contém, ademais, candente defesa da estabilidade dos conceitos e normas consagrados pela Corte, à salvo de injunções episódicas. O que parece indicar posicionamento contrário à reversão do status quo.

 

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