Marco Antônio Pontes | A Justiça não pode ser rápida? (e mais: Cataluña, Catalunya…)

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Reclamam de quê?

Todo mundo se queixa da lentidão do Judiciário, especialmente dos tribunais superiores quando têm de haver-se com ações penais e julgar políticos privilegiados por prerrogativa de foro.

Em toda a longa carreira na oposição (até 2002), o Pt e seu chefe Luís Inácio denunciaram o conjunto da Justiça – juízes, procuradores, advogados – pela inércia e omissão, sempre em maior prejuízo dos mais pobres.

Tinham razão.

Por isso é no mínimo estranho que hoje se insurjam justo contra a relativa presteza com que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que revisa as sentenças do juiz Sérgio Moro, pretende decidir do recurso por que o ex-presidente tenta escapar da prisão e da inelegibilidade.

Incongruências

Se Lula assegura ter cometido crime nenhum, haveria de querer decisão rápida que o livrasse da pecha de corrupto, pelo menos neste primeiro da meia dúzia de processos em que é réu.

Por quê?,então, seus advogados queixam-se de que os desembargadores federais estão indo rápido demais?

E por quê? petistas de alto escalão não se pejam em entoar pela undécima vez, em ensaiado coro, a velha cantiga de perseguição pela Justiça?, agora sob esdrúxulo argumento – o Tribunal tenta ser menos lento…

Vício antigo

Não sei se a corte sediada lá nospagos precisaria de mais tempo para decidir; ou se a estranheza dos advogados de Lula é só isso, ounão passa de malandragem. Entretanto, velho e persistenteobservador das manhas e artimanhas do populismo petista, não tenho dúvida de que a choradeira apenas repete um velho vezo:

para Lula e sua turma tudo o que lhe convém e ao Pt está certo, tudo o que lhes contraria os interesses é iníqua e solerte conspiração ‘das elites’.

Julgamento atípico

Ademais, os membros do Trf-4 parecem ter plena consciência de quão atípico éeste julgamento.

Não dirão apenas se um juiz federal acertou ou não ao condenar um réu, portanto se Lula irá pra cadeia ou seguirá (por enquanto) em liberdade.

O que de mais importante decidirão é em que termos transcorrerá a próxima campanha eleitoral.

Incertezas

Parece simples, mas não é. Em princípio estabelece-se que, condenadopor um colegiadoem segunda instância, Lula automaticamente estará impedido de disputar mandato eletivo, conforme a ‘Lei da Ficha Limpa’; absolvido, sua ficha ainda não se sujará formalmente, portanto estará apto a concorrer.

Há, porém, entre tais certezas um amplo espaço de incertitudes.

Múltiplo impedimento

A absolvição não garantirá ao petista raia livre de campanha porque há uma decisão do Supremo Tribunal Federal segundo a qual réus em processos criminais não podem integrar a linha sucessória da Presidência da República. Ora, se lhes é vedada a mera expectativa de poder, obviamente não poderiam ocupá-lo.

Portanto Lula, múltiplo réu, se eventualmente eleito estaria impedido de chefiar o poder Executivo.E haveria mais discussões: em tal caso a Justiça Eleitoral permitir-lhe-ia disputar a Presidência?

A hipótese de absolvição, assim, transformaria a campanha eleitoral numa dramática sucessãodeembates jurídicos.

Tempo, tempo…, quanto tempo?

A alternativa de confirmação da sentença condenatóriaresulta menos complexa porém não isenta de problemas.

O suposto pré-candidato do Ptteria suja a ficha, não poderia disputar eleição e conforme entendimento do Stf cumpriria de imediato a sentença,mas os meandros das leis processuais ainda ensejariam recursos ao próprio Tribunal de Porto Alegrecuja solução demandaria tempo, a contar-se em semanas ou meses conforme a agilidade dos juízes.

(Daí pra frente haveria mais recursosque, no entanto, não reverteriam o impedimento eleitoral nem a prisão.)

Normalidade ou caos

Depreende-sedesta longa sucessão de conjeturas que bem usar o escasso tempo disponível é vital paraque haja em 2018 eleições que guardem os padrões de normalidade democrática que prevalecemno Brasilhá mais de três décadas – do contrário a campanha eleitoralenredar-se-á num caos de disputas jurídicas.

Assim parece a este velho escriba,além de acertada,também sensata a relativa celeridade do julgamento.

Prestígio cambaleante

E cá entre nós, leitor: você acredita que Lula, entre cujas fragilidades não figura a ingenuidade política, a esta altura do ‘campeonato’ignora os problemas aqui expostos? e seja mesmo, a sério, candidato à Presidência?

Eu não.

Está cada vez mais claro que tenta desesperadamente reunir as hostes hoje mais que sempre dispersas de seu partido e simpatizantes, resgatar com a fictícia campanha algo da mística populista que lhe granjeou o prestígio ora em queda e talvez, só talvez e a depender de variáveis que não controla, salvar um mínimo do cambaleante projeto petista de poder.

Catalunya, Cataluña

Precisamos falar da autonomia/soberania da Catalunya, a querida amiga Ana Valls e eu, talvez descuidado na aborda geminicial questão. Ao ater-me ao que li e ouvi na imprensa brasileira e suas repercussões dos veículos europeus, sobretudo espanhóis, quem sabe? terei assimilado uma visão distorcida.

Penitencio-me, pois, se não a abordei adequadamente (até tentei, aqui nesta coluna, há um mês e meio porém canhestramente, segundo Ana).

Densidade cultural

A ‘questão catalã’, habitualmente ignorada pelos brasileiros que dela só episodicamente têm notícia, também é minimizada pela União Europeia, pela Onu e via de consequência na imprensa mundial.

Recentemente as aspirações dos catalães têm sido confundidas, equivocadamente, com nacionalismos tacanhos como o que desembocou no Brexit, ameaçou França e Holanda, vitima Áustria e Hungria… Ou com as pouco convictas veleidades independentistas na Escócia e outros movimentos no Velho Mundo,nenhum deles comparável à densidade e diversidade cultural com que a Catalunyar espalda suas propostas autonomistas.

Aprendizado

Ana Valls fez-me a gentileza de remeter denso material sobre a questão, inclusive em catalão.

É uma rica experiência, a de estudar o tema nesse belo, sonoro idioma latino, que nunca aprendi formalmente mas consigo ler com razoável sucesso – tem semelhanças com o espanhol, o francês, o italiano e também com o português, sobretudo foneticamente – às vezes tropeço num trecho e consigo apreendê-lo quando leio em voz alta.

Juntei outros textos aos que me enviou Ana e agora tento compreender um pouco melhor o assunto, ao qual voltarei nas próximas edições, ultrapassado o recente período de viagens e outros requerimentos de tempo e espaço nesta coluna.

Radical-fundamentalismo

Por enquanto procuro explicar melhor as opiniões que emiti em novembro passado.

A amiga Ana Valls terá recebido mal a crítica a um “inusitado fundamentalismo catalão”, cujo “radicalismo inconsequente” teria precipitado a crise – escrevi.

Pode ser que a visão do comportamento do então governo regional modifique-se com o estudo do material que hoje tenho em mãos. Mas dificilmente mudará o que penso do radical-fundamentalismo que me pareceu (ainda parece) presente naquele momento, em ambos os lados do conflito. E esse é um vício capaz comprometer as melhores causas, inclusive as patrióticas.

Alternativas de autonomia

Eu já escrevera as notas anteriores quando assisti na GloboNews (sexta-feira, 15.12) a excelente entrevista do ex-titular da Generalitat (o governo regional catalão).

Destaco-lhe duas passagens, que me aconselham rever muitas informações e algumas opiniões.

A primeira é a admissão de alternativas à independência, mediante negociações amplas e paritárias com o governo central – coisa que não tentara antes da crise,certo por descrer da receptividade do radical, insensível governo central. Menos mal que o faça agora.

Nova democracia

A segunda é uma palavra de esperança, a exibir faceta que a imprensa ainda não revelara de Puidgemont: ele coloca as aspirações catalãs num quadro de aperfeiçoamento das sociedades, nações e estados em busca de uma nova democracia, capaz de superar os impasses que hoje ameaçam o sistema representativo e resultam em absurdos como o Brexit, os avanços da ultra direita europeia e a ascensão de um celerado à chefia da maior potência mundial.

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