Marco Antônio Pontes | Desastres no samba, insensatez na política

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Desastre anunciado

Não faltaram avisos – dos fatos, não de quem deveria constatá-los.

Faz tempo os desfiles das ‘escolas’ ditas ‘de samba’ pontuam-se de acidentes crescentemente graves, motivados pelo gigantismo dos carros alegóricos.

A cada carnaval eles ficam maiores, mais altos e pesados e ninguém lhes confere a dirigibilidade, verifica se as estruturas resistem à ‘carga’ móvel que transportam, avalia a habilidade dos condutores nem considera os riscos a que se expõem os integrantes e espectadores das escolas.

Imprevidência, incúria

O anunciado aconteceu nos desfiles das principais agremiações do Rio, domingo e segunda-feira passada: dezenas de pessoas feriram-se (três gravemente) em acidentes com carros alegóricos.

Cobrados, os dirigentes das escolas e da entidade que as congrega apregoaram o próprio zelo e tudo atribuíram a “fatalidade”, outro nome de imprevidência e incúria.

A Liga das Escolas foi além, demonstrou aprender nada com o acontecido e premiou as escolas relapsas: mudou a regra do jogo e cancelou o rebaixamento que mereceram.

Grande ausente

É preciso prevenir novas tragédias nos gigantescos espetáculos em que se transformaram os desfiles das escolas de samba.

Talvez seja também o momento de questionar o próprio espetáculo. E aproveitar para resgatar o samba, suposto objeto de culto das escolas, há décadas ausente do sambódromo carioca e dos demais desfiles.

Preserve-se o samba,…

Os sambas-enredo despegaram-se de suas raízes e transformaram-se em marchas (às vezes bonitas), ou que outro nome dê-se ao frenético ritmo que assumiram.

Diz-se que a mudança é função da fluidez do desfile, sob rígida cronometragem.

…mude-se o espetáculo

Pois então que se mude o desfile, em vez de desnaturá-lo. Modifiquem-se-lhe os balizamentos, excluam-se os componentes estranhos à tradição – como os carros alegóricos – e resgate-se a principal expressão da música brasileira em seu andamento e estrutura originais.

Prestigie-se o ‘samba no pé’, apanágio dos passistas hoje quase ignorados nos desfiles.

Cadência ideal

Outro argumento tampouco convence: a cadência acelerada favoreceria a animação.

Bobagem. Nos grupos de maracatu em Pernambuco ou de boi-bumbá no Amazonas a marcação é retumbante, poderosa… e compassada, sem comprometer o entusiasmo.

Lugar do samba

Não aconselharia suprimir o atual espetáculo. Há quem aprecie.

Joãozinho Trinta dizia que “o povo gosta de luxo” e talvez tivesse razão, malgrado o preconceito contrabandeado na premissa: “Intelectual é que gosta de miséria”.

Haverá, porém, igual ou maior adesão ao bom e velho samba, seus compositores, cantores e passistas que prescindem de ostentação para exibir-lhe a riqueza.

Seu lugar é o desfile das escolas.

Outro espaço

Podem ter o próprio espaço os formidáveis carros alegóricos, a abundância de cor e luz, as coreografias ensaiadas e a liberal acolhida de foliões eventuais que mal cantam ou dançam, só querem divertir-se.

Para isso poder-se-ia reeditar algo como os desfiles das ‘Grandes Sociedades’, esquecida tradição dos carnavais fluminenses, – dos quais, aliás, copiaram alegorias, estruturação e feitio os atuais espetáculos.

Conformismo

Passado o Carnaval, necessário ou alienante intervalo em nossas agruras – conforme o ponto de vista –, retorno à tormentosa rotina e reincido na crítica da ‘normalidade’ das relações entre Executivo e Congresso, do ‘toma lá, dá cá’ que de tão repetido, até alardeado acaba aceito, ‘normalizado’. E constato a confusão na imprensa entre o axioma de não brigar com os fatos e o conformismo ante o absurdo.

Boca no trombone

Não desmereço o que aprendemos, os jornalistas: fatos registram-se ainda que ilógicos, estapafúrdios, imorais.

Mas reportá-los não exclui, antes impele à indignação e aconselha botar a boca no trombone, denunciar o anormal e espúrio jogo como é jogado.

Denúncia tímida

Evidentemente o espaço do inconformismo não é o da reportagem, consagrada ao relato fiel e tanto quanto possível isento dos fatos.

Porém o jornalismo, mormente o escrito, costuma ensejar e até induzir opiniões, desde que claramente explicitadas como tal; nisso é que julgo perceber insuficiente denúncia da anormalidade da cena política.

Jogo pesado

Eu conjeturava dessas questões quando li o editorial de Ricardo Callado no sítio Nos Bastidores da Notícia, que me honra ao abrigar esta coluna – informo aos que me leem em outros veículos.

Ao analisar ocorrências na Câmara Distrital e revelar-lhes os bastidores, Callado exerce o legítimo direito de indignar-se ao constatar que “o jogo é o mais pesado possível, [nele] não existe razão e tampouco emoção, existem fins e os mais condenáveis meios, sempre a velha política.”

 Coincidência

Nada se combinou, leitores, não me foi sugerido o enfoque daqueles “meios condenáveis”.

Até poderia, seria corriqueiro recurso de edição, mas houve apenas coincidência de pensamento e confluência na análise – o que muito me envaidece.

Marcha da insensatez

Everardo Maciel aplaude recentes abordagens desta coluna e lista-as em admirável síntese:

– Feriram-se três importantes temas contemporâneos: a chaga do corporativismo de inspiração fascista, a ‘marcha da insensatez’ dos políticos e a, por ora eficiente, regra dos pesos e contrapesos nos Estados Unidos.

Obrigado!

Fim do mundo

Previsível, mesmo assim assustador.

O depoimento do ex-presidente da Odebrecht ao ministro-relator do processo em que se questionam, no Tribunal Superior Eleitoral, as eleições de 2014 revela a que ponto chegou a insensatez do jogo político.

As denúncias, ensaio daquelas ditas ‘do fim do mundo’, arrasam o Pt, destroem o que resta das reputações de Dilma, Lula e ‘democraticamente’ ferem fundo o Pmdb, Psdb e seus principais líderes.

No limite podem até inviabilizar o governo Temer.

 

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