Marco Antônio Pontes | Foi o possível; pior é a divisão do STF

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Rebelião dos ameaçados

Não foi bom, mas os ministros do Stf fizeram o melhor possível.

Preferiram não espicaçar o desespero dos congressistas – no caso, dos senadores unidos na defesa de um de seus ‘cardeais’ apanhado de calças na mão, e muitos sob risco de formar na mesma fila.

Mantida a decisão anterior, desenhava-se uma inusitada rebelião dos ameaçados – crise institucional à vista.

Solução de compromisso

Ao fim de longa e tensa sessão na quarta-feira (11.10) os ministros reafirmaram a supremacia da Corte em questões constitucionais e encontraram solução de compromisso: decidiram que o Stf pode afastar congressistas de suas funções e determinar-lhes o cumprimento de “medidas cautelares alternativas a prisão”, como previsto no Código de Processo Penal.

Mas ressalvaram que se isso implicar prejuízo ao exercício do mandato, como no caso em tela, a decisão será encaminhada a seus pares – que a poderão referendar ou sustar.

Três leituras…

A solução do imbróglio comporta leituras diversas.

I O Stf reafirma sua condição de árbitro em dissensos interinstitucionais e de intérprete final das questões constitucionais mas aceita dividir com o Congresso a responsabilidade pela imposição de sanções a seus membros, clara homenagem à representação popular.

II Ao fazê-lo, a Corte enseja saída honrosa ao Legislativo, que poderá ceder às exigências sociais de combate à corrupção e confirmar as medidas cautelares; ou, alternativamente e com igual efeito, recusá-las e prontamente desencadear processo de cassação do mandato do senador.

III Se os senadores preferirem agir corporativamente – quer dizer, se a gritaria dos rebeldes ameaçados soar-lhes mais alto que o clamor popular –, terão de arcar com o desgaste e suas repercussões nas próximas eleições.

…e uma constatação

Em qualquer caso o tenso constrangimento que permeou aquela sessão, os candentes embora civilizados embates e sobretudo a enorme dificuldade em verbalizar a posição majoritária e redigir a sentença revelam uma indesejável divisão dos integrantes da Corte suprema.

Indesejável porque as discordâncias não derivam de questões doutrinárias, a eventualmente opor diferentes visões quanto à interpretação da Constituição e aplicação do direito. Ao observador leigo parece que a clivagem é política, os ministros alinham-se conforme inclinações pouco ou nada pertinentes a teses jurídicas.

O que ademais explicaria a sucessão de julgamentos desempatados no último voto.

Partidos supremos

As apertadas maiorias têm-se estabelecido em questões muito distintas.

Na semana ora encerrada resultaram de conflito entre poderes, pouco antes esteve em causa a laicidade do estado, mais atrás ensaiou-se revisar legislação quanto a drogas, aborto, foro especial por prerrogativa de função…

Desses e outros casos ficou a impressão – só impressão, quero crer – de que os ministros do Stf agrupam-se em dois ‘partidos’, ambos informados política e ideologicamente.

Salve-se quem puder

A raciocinar por absurdo: confirmada tal infausta, improvável hipótese o Supremo Tribunal Federal teria perdido a condição de árbitro e transformar-se-ia em litigante nos embates ideológicos, políticos e até partidários que se ferem num contexto social particularmente conturbado.

Estaríamos no pior dos mundos, a gestar tempestade perfeita: todos contra todos e ninguém a moderar a disputa.

Prisão alternativa

Acho que percebi algo inusitado, até pitoresco nos debates de quarta-feira passada, especialmente quanto a artigo da lei processual penal.

Obrigação de recolher-se em casa, à noite e em fins de semana e feriados não seria? – data vênia abalizados entendimentos em contrário – forma alternativa de prisão? – mesmo temporal, parcial?

(Acho que é assim que se objetam opiniões de ministros do Stf – pois não?, excelências?)

Ativismo explicado

Oscar Vilhena Vieira, professor de direito constitucional na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, entrevistado por Mário Sérgio Conti (GloboNews, 28.09), encontra interessante explicação para o ativismo político do Stf.

Parece-lhe que os ministros, ao não avançarem na investigação e julgamento de autoridades com privilégio de foro, sentem-se mal sobretudo na comparação com o desempenho de juízes federais; daí viria, talvez como compensação ao insucesso ante a opinião pública, um certo voluntarismo quando há oportunidade de interferir e sustar malfeitorias cometidas pelos políticos.

Voluntarismo pernicioso

Isso é particularmente pernicioso – acredita o mesmo jurista – na medida em que o Supremo compromete sua condição de intérprete definitivo da Constituição e árbitro de eventuais conflitos entre os poderes da República.

E, tão grave quanto o dissenso entre instituições, acentua a divisão interna no próprio Tribunal, com ministros a assumir publicamente posições antagônicas e discutir, pela imprensa, questões passíveis de seu julgamento.

Isso quando não as julgam simultaneamente aos entreveros domésticos.

Desvios inúteis

Ao endossar-me a repulsa à “inaceitável decisão do Stf”, a que permite proselitismo religioso em escolas públicas, o sempre arguto Cláudio Machado também critica o voluntarismo de ministros da Corte e raciocina na mesma linha do jurista da Fgv.

– Com tantos problemas institucionais – lembra –, gostaria que o Tribunal buscasse julgar os renans da vida […] ao invés de se deter em questões religiosas que não nos afligem.

Religião, doutrinação, confrontação

Juan Segura Marquez, intelectual franco-espanhol apaixonado por Pernambuco e Brasil, cujas honrosas leitura, amizade e participação tomo por empréstimo de amigos do Recife (onde viveu um tempo), também concorda comigo e associa-se à perplexidade ante a fratura que o Stf provocou no estado laico. Ele é veemente, como verão.

(Mantenho-lhe a grafia do aplicado portuñol pontuado de sintaxe francesa, que na frase acentua-lhe a indignação.)

– Bravo. Tudas as relijões som um comercio e tudas elas levam a confrontação pelo endoctrinamento.

 ‘Comércio’ e comércio

Explicação quiçá pertinente: parece-me que Juan Segura usa o termo “comercio” em acepção algo diversa da mais comum no Brasil, de troca de mercadoria por dinheiro.

É que a palavra ‘comércio’ admite outro significado, que ele talvez preferisse: troca, permuta que pode ser também de ideias, opiniões, argumentos – igualmente conduzindo a doutrinação e confrontação, como acusou.

Em todo caso permanece o repúdio, dele e meu, a que se inclua religião (qualquer seja) no currículo escolar.

E de forma alguma exclui-se a condenação do ‘comércio’ (agora na acepção mais usual) que não raro ocorre ao abrigo de religiões, suas igrejas e líderes.

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