Marco Antônio Pontes | Gol contra num bom momento… e a bronca no velho escriba

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

 

Tiro no pé

Até quando vive um bom momento o governo Temer consegue estragar tudo.

Não, leitores, não repito frase com que iniciei colunas anteriores. Quem reproduz ações passadas, desastradas são os estrategistas do Planalto e o principal entre eles é o presidente.

O mais recente ‘tiro no pé’ foi a natimorta tentativa de estender um instituto jurídico tradicional, o indulto de Natal, a políticos presos (condenados ou ainda não) por envolvimento em corrupção, entre os quais aliados, ex-assessores e até amigos do presidente.

Recado dado

Michel Temer é ele próprio um jurista, aposentou-se professor de prestigiada universidade, escreveu livros elogiados por seus pares. Conta com a melhor assessoria que o poder oferece, sem restrições senão as ditadas por sua preferência. Como?, então, embarca em canoa tão furada?

Possível explicação encontrei em conversas de bar e seus equivalentes na internet: talvez quisesse afagar amigos, ex-assessores e aliados que passaram o Natal na cadeia, na intenção de salvar-lhes o réveillon.

A não dar certo – tinha que saber que não daria – terá pelo menos enviado a mensagem: ‘Tentei, não consegui; agora resistam vocês à tentação, nada de delação premiada!’.

Discurso político

Ah!, sim, o bom momento. Na quarta-feira passada Temer defendeu a reforma da previdência social em bem articulado pronunciamento, muito diferente do explícito ‘toma-lá-dá-cá’ do articulador parlamentar da vez, o estridente Marun.

Convincentemente, argumentou que interessa aos parlamentares que precisam reeleger-se e aos demais candidatos em 2018 – governadores entre eles – votar quanto antes as mudanças propostas; do contrário terão de haver-se com o desgastante debate ao longo das respectivas campanhas, já que o tema não saíra de pauta.

Algo aprendeu

O recado foi eminentemente político e embutiu a alerta de que o Planalto, ator decisivo na conformação da pauta, manterá o assunto no proscênio e não dará refresco aos divergentes.

Ainda a fazer política como aprendera com os velhos mestres que secundou em quase toda a carreira, o presidente vaticinou: melhor aprovar agora uma reforma palatável, que a sociedade começa a aceitar – pesquisas indicam que a rejeição aos poucos se reverte – do que deixar agravar-se o déficit e ter que enfrentar mudança muito mais drástica.

Greve não é greve

A greve dos policiais militares do Rio Grande do Norte (como antes as da Polícia Civil e agentes penitenciários), segundo explica um oficial da Pm doublé de dirigente corporativo, não é greve.

Seus liderados – garante – comparecem todos os dias aos quartéis e apenas se recusam, individualmente, a sair à rua por faltar-lhes tudo – veículos, armas, munições, coletes em bom estado –, além de não receberem salário.

‘Detalhe’ conclusivo

É justa a revolta ante a inadimplência do estado, provavelmente estará certo o diagnóstico quanto às condições de trabalho. Mas é fazer pouco de nossa inteligência negar que haja coordenação, palavras-de-ordem e comandos a estimular aquelas ações ‘espontâneas’. E menosprezar também a percepção da Justiça Militar e demais órgãos do Judiciário que haverão de examinar o episódio.

Ademais, entre a emissão da mensagem e sua recepção pela opinião pública, talvez até favorável, há um detalhe – assim diria o oficial-sindicalista: a lei proíbe paralizações de policiais.

Natal = Vitória

Há clara analogia entre esta greve, qualquer nome se lhe dê, e a que tumultuou Vitória e sua área metropolitana há um ano. Embora o ‘óbvio ululante’ (apud Nelson Rodrigues) não tenha sido percebido pela chamada grande imprensa: aos principais jornais, revistas, emissoras de tv e rádio não ocorreu comparar as situações e, mais importante, investigar e responder a pergunta que se impõe: o que aconteceu? com os grevistas do Espírito Santo? – os que se escudaram em suas mulheres, irmãs, mães e filhas para ficar nos quartéis enquanto a bandidagem barbarizava a população?

Isonomia (?!)

Aconteceu nada. Pelo menos os noticiários não registraram, desde o fim daquela greve em fevereiro de 2017, efetiva punição aos paredistas ilegais. E justo isso terá estimulado os transgressores potiguares: se os colegas capixabas ficaram impunes, podem esperar igual tratamento.

Sucesso dos maus

A analogia, reitere-se, é óbvia e enorme o dano da transgressão. Merece até crítica em latim, quem sabe a interessar magistrados, procuradores, delegados que gostam do idioma de Cícero e costumam usá-lo em citações eruditas.

Modestamente lembro só da epígrafe de Fedro, poeta romano, à fábula que traduziu do grego Esopo: “Succes malo alicit plures” – algo como “o sucesso dos maus atrai o mal”, interpretação livre baseada em escassos, longínquos estudos de latim; conto com os leitores, especialmente Roldão Simas Filho (cadê você?) e Clemente Rosas, que já me ajudaram em circunstâncias semelhantes, para conferir a sentença.

Descompostura

Eloquente, a descompostura que me endereça o escritor Renato Vivacqua:

– Raramente discordo das reflexões do fraterno amigo […] mas agora não aguentei: encômios ao poderoso Huck? Não acha um exagero?

Vivacqua reage ao escrevi sobre as chamadas ‘celebridades’ na política, mais precisamente às especulações sobre candidaturas de Joaquim Barbosa, Sérgio Moro e Luciano Hulk à Presidência da República.

Errei

Veja, Renato, eu tentava simplesmente constatar que essas e outras ‘celebridades’ de alguma forma angariaram prestígio popular e-ou respeito da opinião pública; não pretendia emitir julgamento de valor, nem compará-las entre si ou com outrem. Porém ao reler aquelas notas admito que errei, ao passar a impressão que você muito bem detectou.

Esclareço, mesmo tardiamente, que não coloco o apresentador da Tv Globo no mesmo nível de Barbosa ou Moro e penitencio-me se meu texto ensejou essa interpretação. Menos mal que o fraterno Renato tenha sido magnânimo como sempre ao encerrar a mensagem:

– Um abraço, e a admiração continua eterna.

Pecados e pecadilhos

Entre a bronca e o afago o escritor alinha pecados e pecadilhos do “saltitante quarentão”: camiseta de sua loja virtual com dístico a sugerir pedofilia; machismo e grosseria ao entrevistar candidata de concurso de passistas; mesquinharia com o piloto cuja habilidade salvou-o e a família num acidente de avião; apropriação ilegal de espaço público na praia em frente à sua mansão; ligações suspeitas com Joesley Batista; caronas indevidas em avião oficial… – ufa!

Revisor autorizado

O advogado Arnaldo Soter Braga Cardoso é um velho e querido amigo, contemporâneo na Universidade Federal de Juiz de Fora, parceiro nas lutas libertárias da época (lá se vão cinco décadas!) e desde então comparsa (menos habitual do que eu gostaria) de amenas conversas no território livre do bar. Tem plena autoridade para apontar os erros desta coluna, como trocar o nome da filha de um amigo comum, a cidade natal de outro…

Pois ele agora me endereça instigante corrigenda.

Contribuinte feliz

Arnaldo refere-se a minha observação dos vendedores de rua em Cartagena, Colômbia, que me pareceram parte da solução para a pobreza que ainda vitima aquele país hoje em eficaz processo de desenvolvimento. Abro-lhe espaço:

– Apenas um reparo [e cita-me]: ‘Problema pode ser […] a concorrência desleal, já que ambulantes não pagam aluguéis, impostos […].’

Hoje os brasileiros, muito felizes – prossegue – podem se dar ao luxo de se registrar como ‘empresários’: mei – micro empreendedor individual e (que bom!) deixar de ser camelô e pagar imposto.

Remeto à sensibilidade de cada leitor avaliar o grau de ironia da última frase.

 

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