Marco Antônio Pontes | Ópera bufa, tempestade perfeita…

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Ópera bufa

Foi triste assistir à ópera bufa encenada na Câmara dos Deputados na quarta-feira passada. E entristece ainda mais que espetáculos assim, por habituais, ganhem foros de normalidade: a imprensa relata, comenta e já nem lhes destaca o absurdo.

Pois não é absurdo?, revoltante o enredo em que deputados decidem (duas vezes!) se um presidente da República precisará afastar-se do cargo sob acusações de corrupção, organização criminosa e obstrução de justiça?

É assim mesmo…

Embora não destacasse o inusitado das ocorrências a imprensa foi pródiga em revelações de trocas de votos por liberações de emendas no orçamento, nomeações de apaniguados de parlamentares, perdão de multas dos predadores da natureza e benesses outras que teriam garantido a permanência do presidente.

Ainda assim o tom geral dos noticiários foi de normalidade, em frases não ditas como as que digo agora: é o presidencialismo de coalisão, política é isso mesmo…

Filme de terror

Neste contexto de horror não pressentido – quase se ouviam, contraponto ao tema dissonante da peça burlesca, os acordes iniciais da Quinta Sinfonia: tchan tchan tchan tchan!…, como em filmes noir dos anos 1940 –, muitos parlamentares e integrantes do governo (alguns na dupla condição) e analistas na imprensa produziam declarações e comentários conformados:

resolveu-se um imbróglio, agora é pensar no day after – eis o sentido geral da derivada.

Loucura evitada

Desse festival de non sense emergiu até conclusão com algum sentido, que tento resumir e dissecar:

melhor assim, seria insanidade afastar por seis meses o presidente para investigá-lo, talvez julgar e possivelmente condenar.

Examinemos, leitor, o resultado mais provável: condenado o presidente (o que certamente só ocorreria ao fim do afastamento provisório de seis meses), se fosse muito rápido o Congresso escolheria o sucessor aí por maio ou junho do próximo ano. Então já estaria nas ruas a campanha das eleições que de fato interessam, as diretas do próximo 2 de outubro.

Coisa mais louca!, duas eleições presidenciais simultâneas…

Tempestade perfeita

Teríamos a tempestade perfeita na hipótese de que o afastado afinal fosse absolvido. O substituto, mesmo ainda aliado (quem sabe?), teria imprimido ao governo sua marca, trocado ministros, reformulado políticas…

Nem dá pra imaginar a gana de vingança com que os retornados haveriam de retaliar os velhos parceiros, convertidos em traidores.

Galinha tetraplégica

E afinal o ex e de novo presidente voltaria ao poder pior que um ‘pato manco’, imagem idealizada por cronistas políticos nos Estados Unidos para qualificar chefes de estado nos últimos meses do mandato que sobra de eleições perdidas.

Teríamos no Planalto algo como uma galinha tetraplégica.

Fique claro, leitor: toda esta crise começou quanto o presidente da República recebeu fora da agenda, em casa e sob falsa identificação um empresário pra lá de enrolado, há tempos investigado e ameaçado de prisão.

Não só o recebeu como lhe ouviu confidências, vanglórias de corromper juízes, procuradores – e não o mandou prender.

Soube que comprava o silêncio de Eduardo Cunha, o mais notório corrupto-corruptor destes infaustos tempos – e nada fez.

Nem se precisava provar nada a partir de tal conversa, o simples fato de ter havido é em si mesmo inaceitável. Absurdo.

Pequena política

Ter-se-ia poupado muita controvérsia e sofrimento se o presidente, apanhado naquela absurda situação, simplesmente renunciasse. Seria um gesto de grandeza, que em parte compensaria o irremediável.

Mas não daria mesmo pra esperar gestos grandes na apequenada política que se faz no Brasil.

Cobro cobranças

Sob risco de ser incômodo, alienar apoios e desagradar amigos, tenho a inconveniente mania de não esquecer e cobrar dos que esquecem. Por isso cobro dos ‘coleguinhas’ cobranças do fim do ‘foro privilegiado’, que o Stf ensaiou e o Congresso (aliás o Senado) prometeu extinguir.

Resgato o que escrevi em 29 de abril passado, logo após a aprovação de emenda constitucional neste sentido.

A ver…

            A imprevista unanimidade [no Senado] contra o foro privilegiado requer […] interpretação. Já se falou em manobra para obstar iminente decisão do Stf que na prática eliminaria a prerrogativa; em tentativa dos senadores de reverter o descrédito via mudança constitucional amplamente popular e, no contexto, remeter o assunto para depois das eleições de 2018, quando entre mortos e feridos estarão todos salvos. A ver no que dá.

Jogo (quase) feito

Após meio ano de silêncio o assunto volta à pauta, ao anunciar-se a retomada do processo no Supremo. Breve o Tribunal deverá pronunciar-se, muito provavelmente para reduzir drasticamente, quase eliminar essa anomalia institucional.

Jogo (quase) feito do lado sul da Praça dos Três Poderes a bola, digo, o tema volta ao centro do campo (da Praça): justo à Câmara onde deputados sob suspeita animam-se com a recusa das denúncias contra o presidente da República.

Jogo duro

A exemplo dos senadores após ‘anistiar’ Aécio Neves, esses deputados inclinam-se a aproveitar o embalo e ‘entrar de sola’ na Lava a Jato: consta que retomarão o projeto que supostamente trataria de abuso de autoridade, na verdade destinado a constranger e intimidar policiais, procuradores e juízes empenhados no combate à corrupção.

Jogo de cena

Diz-se também que o presidente da Câmara colocará em discussão aquela pec do Senado que restringe a prerrogativa de foro só aos presidentes dos poderes.

Parece ‘balão de ensaio’, ou talvez alertasse seus pares de que algo precisa ser feito antes que outros o façam. E logo surgem propostas alternativas, a sugerir mudança menos drástica – quem sabe? aceitar perder anéis para manter os dedos?

Vem a propósito a frase com que Giuseppe di Lampedusa satiriza no romance O leopardo os conservadores de seu tempo – vale para os nossos, também: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.”

Supersalários esquecidos

Ainda no rol dos fatos inconclusos e não cobrados pela imprensa: por quê? ninguém indaga das providências contra os ganhos de servidores acima do teto constitucional?

Há uns três meses a ministra Carmen Lúcia determinou que todos os tribunais brasileiros, em todos os níveis e regiões, informassem ao Conselho Nacional de Justiça a quantas andam os contracheques do pessoal sob sua responsabilidade – vencimentos, proventos, pensões e mais ajudas de custo, diárias, indenizações… enfim, pagamentos a qualquer título.

A ordem foi cumprida?

A informação exigida pela presidente do Stf e Cnj inclui os ganhos de ministros, desembargadores, juízes e demais funcionários do Judiciário. E ela cobrou também a divulgação imediata, a cada mês, das folhas de pagamento, obrigação que já consta de uma daquelas ‘leis que não pegam’ (pode?). Deu prazos entre dez e trinta dias, conforme o caso, para que a ordem fosse cumprida. E desde então não se fala mais do assunto.

E então?

Pois já passou da hora de falar mais do assunto. Estranhamente, os veículos de comunicação de massa esqueceram-no, não se sabe se seus repórteres procuraram ou cobraram a informação. Idem nas ‘redes sociais’, de que não participo mas tenho notícia.

E então? Ninguém quer saber se alguns ou muitos ministros, desembargadores, juízes e serventuários (palavrinha feia…) da Justiça continuam a ter salários de ‘marajá’? A lei que obriga transparência e publicidade é letra morta? Uma ordem direta e clara da maior autoridade do Judiciário também pode ‘não pegar’? E no Executivo, no Congresso – como é que fica?

Mais ópera bufa

Nada a ver com os temas que discutiam, dois ministros do Stf trocaram acusações e ofensas em plena sessão, transmitida pela tv.

Lamentável.

Seja o primeiro a comentar on "Marco Antônio Pontes | Ópera bufa, tempestade perfeita…"

Faça um Comentário

Seu endereço de email não será mostrado.


*