Marco Antônio Pontes | Tempos muito, muito estranhos

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


A ser assim…

Se o presidente Temer afastará provisoriamente os ministros denunciados no âmbito da Operação Lava a Jato e demitirá os que se tornarem réus, ele deveria cobrar algo semelhante de sua base parlamentar.

Quer dizer: deputado ou senador denunciado pelo Ministério Público ou sob processo no Supremo Tribunal Federal não poderia ocupar no Congresso função que se equipara politicamente à de ministro de estado – por exemplo a liderança de partido do governo, a presidência de Comissão de Constituição e Justiça…

Impedimentos

Que me corrijam os amigos advogados se lhes invado a seara e julgo perceber circunstância análoga quanto a possíveis candidaturas à Presidência.

Vejam: recentemente o Stf decidiu que réus em processos criminais não podem substituir eventualmente o chefe do Executivo; com muito mais razão não estariam inabilitados para um mandato presidencial?

Quem não pode o menos, não pode o mais.

Lula inelegível

A dar nome aos bois: se Renan Calheiros, então presidente do Senado, ao tornar-se réu inabilitou-se à mera interinidade na Presidência, a pretendida candidatura de Lula em 2018 é natimorta porque ele foi investigado, denunciado por vários crimes e as denúncias foram aceitas – é réu, múltiplo réu.

Batalha inglória

Haveria interpretação menos drástica.

Mesmo vetado para a substituição, Renan continuou presidente do Senado. Analogamente, Lula talvez não fosse impedido de candidatar-se. Se vencesse, porém, não poderia ser diplomado.

Quer dizer: se o Pt apostar mesmo nos restos da popularidade de Lula, mais que disputa eleitoral terá pela frente batalha jurídica de resultados no mínimo incertos.

Estranho ambiente

Por que recorre o colunista a tantos silogismos? – estranharia o leitor que talvez preferisse algo mais simples, direto.

Não me culpe o possível crítico se estranho o ambiente em que vivemos, prenhe de estranhezas. Como a famosa orquestra do Titanic, a maioria dos atores da cena política ignora a iminência do naufrágio e segue a disputar cargos e posições, no Congresso como no Executivo.

 

A briga é outra

Respaldo mais ou menos enfático às propostas do governo é mero pano de fundo dos conflitos na chamada base aliada’ – hoje de Temer, ontem de Lula, tanto faz como tanto fez.

O Pmdb, partido do presidente da República, antes de defender-lhe os projetos contabiliza espaços no poder vis-à-vis seus ‘aliados’. Os quais estão nem aí para o governo, a menos que sustentá-lo contemple os próprios interesses.

Por seu turno a oposição diz-se radical mas negocia espaços confortáveis na cúpula do Legislativo.

Tudo estranho

Olhem só quanta coisa estranha aconteceu só neste caliente fevereiro.

[1] O líder do governo no Senado quis blindar os presidentes das casas legislativas, equiparando-os ao chefe de Estado na imunidade em eventuais delitos anteriores ao mandato em curso. Teve que recuar, mas a tentativa foi estarrecedora.

[2] Outro vexaminoso insucesso ocorrera dias antes, quando o presidente da Câmara tentara anistiar, tanto retroativa quanto preventivamente, os partidos políticos apanhados em irregularidades.

[3] O presidente da República enfrentou inusitada disputa judicial para nomear um ministro de estado; alegou-se que o teria feito só para conceder-lhe foro privilegiado.

[4] Em meio a gravíssimas crises no aparelho de segurança, que já explodiram no Espírito Santo, estão sempre prestes a desandar no Rio e ameaçam espalhar-se país afora o Pmdb, partido do presidente, luta com unhas e dentes para ter um político a chamar de seu no Ministério da Justiça e Segurança Pública e ‘faz beicinho’ quando o chefe ensaia alternativas.

[5] O ensaio não deu certo; estranhamente o ex-presidente do Stf Carlos Veloso, consta que amigo de Temer, foi convidado, deu declarações de futuro ministro mas deixou o presidente a falar sozinho.

[6] O mais poderoso ministro do Planalto deu ‘aula magna’ sobre o funcionamento do tal presidencialismo de coalisão e foi contundente, até pitoresco na explanação de como se escolheu um ‘notável’ para o Ministério da Saúde…

Até na academia

Coisas assim estranhas não são privilégio dos políticos, alcançam igualmente a intelectualidade brasileira.

Acadêmicos de formação e trajetória impecáveis, prestigiados jornalistas ou colaboradores frequentes da imprensa, muitos deles militantes da esquerda desde o tempo em que isso dava cadeia e coisa pior, agora coincidem em equívoco comum: tudo consideram, analisam, concluem mediante ótica partidária e sectária.

Não, leitor, nem todos são petistas mas confluem entre outros num erro: acham que o Pt é partido de esquerda.

Acontece…

Dia desses dialogava com amigo de irretocável currículo esquerdista, brilhante carreira acadêmica, largo espectro de conhecimentos. Em meio à afável conversa, lamentei a então recente morte da Ferreira Gullar e ele enalteceu o poeta, o crítico de artes mas verberou-lhe as últimas posições políticas – referia-se, mesmo sem citar, às contundentes críticas de Gullar ao Pt.

Reação semelhante teve meu comentário sobre a ação política de Cristovam Buarque, cuja evolução elogiei; ele discordou e o motivo, embora não explícito, ficou óbvio: o senador votou pelo impeachment de Dilma.

Peneira furada

É também muito estranha, se repetida por jornalistas e intelectuais presumivelmente não engajados partidariamente, que se mantenha a alegação – esperada nos escalões petistas – de que a Operação Lava a Jato e congêneres seriam parciais, deixariam vazar informações que comprometeriam só o Pt, ademais vítima de perseguição da imprensa.

Atualmente quase todos os vazamentos atingem justo seus adversários tradicionais, sob ampla reverberação na mídia, a mostrar que a divulgação das malfeitorias visa simplesmente o poder, por isso deslocou-se do antigo para o novo poder.

Mas os adversários da tentativa de passar o Brasil a limpo, se me permitem o lugar-comum, preferem tapar o sol com a peneira; ademais, furada.

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