Para Saulo Batista, medidas adotadas pelo governo constituem um retrocesso

Especialista em finanças públicas critica o acordo com os caminhoneiros e diz que o governo agiu com  foco exclusivamente nas eleições de outubro

O pacote do governo para encerrar a greve dos caminhoneiros ainda é motivo de grandes controvérsias, por enfrentar resistências de setores importantes da economia e recorrer a medidas consideradas por muitos como inconstitucionais. Promessas como o desconto de R$ 0,46 no litro do diesel e a tabela do frete mínimo, dois dos pontos de maior destaque no acordo que pôs fim à paralisação, são as que mais tem gerado conflitos com o setor produtivo.

Para o especialista em orçamento e finanças públicas, Saulo Batista, o principal erro do Planalto foi o de aceitar negociar sobre pressão. “ O governo estava literalmente encurralado e se viu obrigado a ceder àqueles que conseguiram impor sua pauta sob a ameaça de trazer o caos”.

Segundo Saulo Batista, além do custo fiscal das medidas anunciadas pelo governo, que deve superar os R$ 13,5 bilhões, haverá um custo social da paralisação, a ser pago na forma de mais inflação, menos crescimento e menor geração de emprego. “São mais de 260 mil postos de trabalho a menos na economia brasileira, empregos que fariam uma enorme diferença na vida dos que lutam para encontrar um meio de sustentar a si mesmo e às suas famílias”, afirmou.

 

NBN – O acordo com os caminhoneiros, que pôs fim a uma greve que já durava mais de uma semana, e que já comprometia o fornecimento de combustíveis e até alimentos, principalmente nos grandes centros, pode ser considerado uma vitória do governo?

Depende do ponto de vista. Sob a perspectiva de alguns aliados do Planalto, cujo foco parecia ser e continua sendo quase que exclusivamente voltado para as eleições de outubro, qualquer que fosse a solução, desde que estancasse o desgaste e os prejuízos eleitorais, seria considerada uma vitória. No entanto, uma análise mais profunda, com foco mais amplo, nos mostra que as medidas adotadas pelo governo, de fato, constituem um retrocesso. Estamos assistindo ao ressurgimento de dois mecanismos anacrônicos: o controle de preços, tão característico do Plano Cruzado, do Sarney, e essa dinâmica de redução artificial do preço de combustíveis, por meio de subsídios do Tesouro, que no período militar era chamada de “conta petróleo”. São instrumentos ultrapassados, que já fracassaram no passado e que as lições da história nos permitem prever um novo fiasco.

 

NBN – Concretamente, quais as consequências da retomada desdes mecanismos?

A fixação, por ato oficial, de uma tabela de valores mínimos para o frete, acima daqueles definidos pelo mercado, irá acarretar um aumento no custo de logística para todos os setores da economia, do agronegócio ao automotivo, que acabará sendo repassado ao consumidor por meio de uma elevação dos preços de praticamente todos os produtos, um pico inflacionário generalizado, que irá corroer, inclusive, uma parcela considerável dos ganhos que os caminhoneiros esperam obter com esse acordo. Para os setores exportadores, essa será mais uma componente do chamado Custo Brasil, dessa soma de fatores que comprometem a competitividade externa das empresas brasileiras. O resultado: mais inflação, menos crescimento e menor geração de empregos para os milhões de brasileiros que hoje procuram trabalho. Por outro lado, o caminho escolhido pelo governo para a redução do diesel, na canetada, pela via da imposição, inclusive com cominação de multas, sem um planejamento prévio e antes mesmo que fossem definidos alguns elementos essenciais, como a metodologia de cálculo dos preços de referência ou a forma como este subsídio será concedido aos importadores, caso não seja revisto, tras um sério risco de falta de diesel nos postos já no curtíssimo prazo, dentro de 30 ou 60 dias. O governo pareceu ignorar o fato de que cerca de um quarto do diesel consumido no Brasil, quase 13 bilhões de litros em 2017, provém de operações de importação direta, e que, quando determina uma redução no preço ao consumidor descolada, dentre outros, dos custos do mercado internacional, sem uma definição clara acerca dos instrumentos de compensação, ele impõe sobre essas importações um risco impraticável de ser assumido pelos distribuidores.

 

NBN – O governo, então, errou ao aceitar esse acordo com os caminhoneiros?

 Errou, principalmente, em aceitar negociar naquelas condições. O governo estava literalmente encurralado por uma paralisação que era promovida não apenas por caminhoneiros autônomos, mas, também, e talvez principalmente, por empresas transportadoras de cargas. Isolado, sem apoio de ninguém, o governo se viu obrigado a ceder àqueles que conseguiram impor sua pauta sob a ameaça de trazer o caos, de promover o desabastecimento de produtos essenciais, como alimentos e combustíveis. O Planalto errou, em primeiro lugar, ao se permitir ficar nesta posição.

 

NBN – O amplo apoio à greve não indica que, ao aceitar este acordo com os caminhoneiros, o governo estava atendendo a um anseio da sociedade?

 De forma alguma, e o governo não pode se dar o direito confundir as coisas. O nome disso que se promoveu é populismo, puro e simples. Não creio que, dentre os anseios da sociedade, esteja, em tempos de crise, pagar mais caro nas suas contas no supermercado ou na farmácia, mesmo com redução no diesel e o fim da cobrança do “eixo suspenso” em pedágios de rodovias estaduais, para garantir margens de lucro mais elevadas para os transportadores de carga. Se é verdade que 87% manifestavam apoio à greve, também é fato que uma ampla maioria, de iguais 87%, se dizia contra pagar os custos da greve, como se isso fosse possível. Parcela considerável desse apoio decorria da falsa percepção de que o movimento dos caminhoneiros teria como consequência uma redução geral no preço dos combustíveis, com impactos na vida de todos que andam de carro. Pelo contrário, a gasolina ficou mais cara depois da greve e a conta chegou: somente essa redução prevista de 46 centavos no diesel, que nem ao menos se concretizou, sem qualquer redução, por exemplo, na gasolina, irá custar, até o fim do ano, mais de R$ 13,5 bilhões, entre renúncia fiscal e subsídios do Tesouro. É muito dinheiro. Corresponde a metade do orçamento do Bolsa Família, que é de R$ 28 bilhões para todo o ano de 2018.

 

NBN – Na sua opinião, a sociedade conferiu um apoio tão amplo à greve sem se dar conta dos custos que iriam recair sobre ela?

 Sem sombra de dúvidas. Muitos se deixaram levar por uma falsa ideia, bastante difundidas através das redes sociais, segundo a qual bastariam cortes localizados, por exemplo, em alguns benefícios dos parlamentares, para permitir uma redução até mais ampla e significativa no preço dos combustíveis. É preciso lidar com os números reais, até mesmo para desfazer esse tipo de ilusão. O custo fiscal apenas desta redução pontual no preço do diesel, que ainda nem chegou aos 46 centavos prometidos pelo governo, que já supera os R$ 13,5 bilhões até o final do ano, é maior que a soma de todas as despesas da Câmara e do Senado, incluídos todos os benefícios pagos aos parlamentares, ex-parlamentares e seus pensionistas, que não chegará a R$ 11 bilhões em 2018. Essa redução de 46 centavos tem um custo alto, que será sentido na forma de menos recursos para o Sistema Único de Saúde, agricultura familiar, defesa agropecuária, enfrentamento à violência contra a mulher, bolsas para pesquisa, saneamento básico, moradia popular e até para o policiamento ostensivo das rodovias federais. Um custo social, a ser pago na forma de menos serviços públicos ofertados para o conjunto da sociedade. Há, também, o rastro de prejuízos deixados pela paralisação, que ainda precisam ser devidamente precificados. A construção civil deixou de gerar R$ 3,8 bilhões, o setor varejista estima prejuízos da ordem de R$ 27 bilhões, os supermercados contabilizam R$ 2,7 bilhões, as perdas para os distribuidores de combustível chegam a R$ 11,5 bilhões, mais de 70 milhões de aves foram mortas por falta de ração e os produtores acumulam R$ 3 bilhões em prejuízos, foram descartados 300 milhões de litros de leite com perdas que chegam a R$ 1 bilhão, a pecuária de corte deixou de movimentar entre 8 e 10 bilhões, temos 51 mil veículos que deixaram de ser produzidos. As estimativas mais conservadoras falam num impacto negativo entre 0,3% e 0,5% do PIB para 2018, o que significa mais de 260 mil postos de trabalho a menos na economia brasileira, empregos que fariam uma enorme diferença na vida dos que lutam para encontrar um meio de sustentar a si mesmo e às suas famílias.

 

 

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