Ponto de Vista | Os ventos da mudança no PSDB

A longa reunião ao fim da qual foi anunciada a permanência do PSDB no governo expôs, mais uma vez de forma clara, as profundas divisões do ninho tucano. Para muitas de suas lideranças, o partido errou ao estabelecer um prazo para anunciar uma decisão ainda não devidamente amadurecida.

Um dos sinais inequívocos de que os tucanos continuam divididos pode ser percebido na fala do seu líder na Câmara dos Deputados que, logo após o partido decidir pela manutenção do apoio ao governo, insinuou que a possibilidade da bancada votar pela admissibilidade da denúncia contra o presidente Temer a qual, segundo os rumores que correm na Esplanada, será apresentada ainda esse mês pela Procuradoria Geral da República.

Apesar do sucesso em contornar a crise gerada pelos movimentos dos descontentes com a permanência no governo Temer – os insatisfeitos continuarão com sua postura crítica à manutenção da aliança, mas reconhecem que não conseguiram formar uma maioria neste sentido -, o senador Tasso Jereissati se viu obrigado a reconhecer a posição majoritária do partido, apoiada inclusive pelo governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Dória, no sentido de que é preciso antecipar as eleições internas.

O presidente interino do PSDB tem agora diante de si um abacaxi ainda maior e mais difícil de descascar que os movimentos até aqui promovidos pelos descontentes com o apoio ao governo Temer: a pressão pela realização das convenções partidárias que culminarão com a renovação do Diretório Nacional e dos diretórios regionais.

Na posição de virtual candidato à presidência, Aécio Neves teve condições de, já em 2013, assumir o comando do PSDB com uma direção nacional formatada em função de seu projeto eleitoral. Tanto isso que, talvez pela primeira vez na história do partido, foi eleita uma comissão executiva – que, tradicionalmente, reflete o equilíbrio de forças entre as principais lideranças e onde a construção de maiorias demanda um processo de negociação -, na qual o presidente e o secretário-geral, além do mesmo estado, eram ambos do mesmo grupo político.

A força que lhe garantia a condição de ser, a um só tempo, presidente do partido e pré-candidato a presidente da República, lhe permitiu – como a nenhum outro candidato tucano desde o fim do governo FHC -, de maneira firme e de forma centralizada, conduzir a construção das candidaturas e palanques estaduais e exercer a direção partidária.

Em 2015, sem que houvesse mais um governador de Minas entre os tucanos, havia a previsão de que a ala paulista passaria a exercer a condução do partido, não apenas pelo espetacular resultado alcançado pelo governador reeleito no primeiro turno – Geraldo Alckmin venceu em 644 dos 645 municípios paulistas, ficando em segundo lugar apenas na pequena Hortolândia, com menos de 200 mil eleitores -, mas também pelo fato de ter sido justamente no maior colégio eleitoral do país onde o PSDB teve sua maior votação, proporcionalmente ao número de eleitores, na disputa presidencial.

Ainda na presidência do partido, Aécio passou a controlar o processo de eleições regionais de forma a lhe assegurar que fossem os seus aliados a presidirem a maioria dos diretórios regionais. Os mais de 50 milhões de votos conquistados nas eleições de 2014, que o alçaram à condição de maior liderança nacional do PSDB, lhe garantiram a força necessária para impor nos estados acordos para a composição da direção partidária que nem sempre refletiam a realidade local. Muitas das vezes, quando tais acordos não eram aceitos, foi utilizado o instrumento da “intervenção” para garantir o controle dos diretórios por meio de “comissões provisórias”.

Mesmo quando constatamos que, muitas vezes, a troca da direção regional foi fundamental para a construção de vitórias nas eleições municipais em capitais e cidades importantes, o fato é que ficou cada vez mais claro que o discurso que defendia maior abertura da direção partidária –  apregoado em 2002 pelo então governador eleito de Minas Gerais ao lado de outros que, na época, ainda eram lideranças emergentes no partido, como os também governadores eleitos Cássio Cunha Lima e Marconi Perilo – ou a regulamentação de prévias partidárias – tão reivindicada durante sua disputa com Jose Serra, em 2010, pela candidatura presidencial – não encontraria eco na forma de agir do agora presidente nacional do PSDB.

Ao olharmos para a forma como são conduzidas as decisões do partido em Minas Gerais, nestes anos em que sua liderança no estado era incontrastável, fica ainda mais evidente que a defesa das prévias e da maior participação dos filiados é apenas para “consumo externo”. No PSDB-MG, a escolha dos candidatos e da composição da direção partidária segue o modelo mais autocrático possível: será quem Aécio quiser que o seja.

Aqui, no Distrito Federal, também foram sentidos os efeitos desse sistema bastante centralizador, visto que tanto a escolha da candidatura tucana ao GDF em 2014 como a imposição da comissão interventora que desde 2015 dirige o partido se deu na contramão daquilo que se percebia como a vontade da maioria dos filiados. Em muitos estados e no DF esses incidentes ainda hoje são motivos de rancores e rusgas não sanados a espera de uma oportunidade de revanche.

Quando se decidiu pela prorrogação do mandato desta executiva nacional presidida por Aécio – a qual, se já não representava de forma fiel a correlação de forças decorrentes da eleição de 2014, estava completamente descolada da nova realidade partidária que emergia das urnas em 2016 – aprofundaram-se ainda mais as divisões.

A face mais visível desta falta de unidade entre os tucanos tem sido as constantes divergências de posição entre a direção nacional e a bancada na Câmara dos Deputados, especialmente em relação à ala mais jovem – cujos membros, em conjunto com um grupo de igualmente jovens parlamentares estaduais e prefeitos, ficaram conhecidos como “cabeças pretas” -, que  reivindica ver seu crescimento político e eleitoral – em muitos casos superando os “caciques” do partido – refletido numa maior participação no processo decisório do PSDB.

Essa tensão cada vez mais constante entre os cardeais que desejam continuar a impor seu controle sobre a máquina partidária e essa nova geração de políticos com capital eleitoral suficiente para reivindicar uma dinâmica que seja mais fiel a realidade atual deve, sob pena de esvaziamento com a perda de quadros importantes nos estados e no cenário nacional, culminar com o deflagramento de eleições para a renovação das direções regionais e do Diretório Nacional do PSDB menos sujeitas a “intervenções nacionais” e “viradas de mesas”.

O sentimento é o de que a máxima – bem colocada pelo tucano Paulo Alexandre, o jovem prefeito reeleito de Santos – segundo a qual “político com medo de disputar eleição não serve para estar na vida pública” deve dar o tom destas convenções, a serem realizadas possivelmente ainda este ano, nas quais quem quiser dirigir o partido precisa conquistar esse direito pelo voto dos filiados. Esses novos ventos podem mudar muita coisa em vários estados e no Distrito Federal.


Especialista em orçamento e políticas públicas, diretor de relações institucionais da Associação Nacional do Transportador e dos Usuários de Estradas, Rodovias e Ferrovias (ANTUERF) e secretário-executivo da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

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