Prisão em segundo grau não pode ser regra absoluta

Por Bady Curi Neto

Miguel de Cervantes, escritor, poeta e dramaturgo Castelhano, há mais de quatrocentos anos, ao escrever a clássica e imortal obra Dom Quixote de La Mancha, criou uma passagem onde D. Quixote fala para Sancho:  “- A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos, que aos homens deram os céus: não se lhe podem igualar os tesouros que há na terra, nem os que o mar encobre; pela liberdade, da mesma forma que pela honra, se deve arriscar a vida, e, pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pode acudir aos homens”.

A passagem demonstra a importância vital da liberdade para o homem. Realmente a história nos mostra, assim como retratado na frase acima, a importância da liberdade e nos dá exemplos reais de que colocamos nossas vidas em risco para mantê-la ou consegui-la.

As grandes guerras da humanidade, onde homens morreram lutando, tem como bandeira de fundo a não subserviência de uma nação à outra. As revoltas contra governos ditatórios impingem as liberdades de ir e vir, assim como a liberdade de expressão.

Pode-se dizer que a liberdade e a vida são direitos intrínsecos da humanidade, sendo que por aquele se arrisca este, como dito na obra de Cervantes.

Por evidente, estes valores não são absolutos. Há países onde a má conduta de certos indivíduos, que colocam em risco a liberdade e a vida de seus semelhantes, assim como outras tipificadas como crime mais gravosos de acordo com a Constituição e Legislação daquela localidade, são puníveis com a pena capital. Em outros, como o Brasil, dependendo do fato típico e antijurídico, ou seja, do crime praticado, o autor do delito tem como pena a restrição temporária de autonomia, para que, após este período de reclusão, possa ser reinserido na sociedade.

Em nosso país, a liberdade e a vida, são direitos pétreos descritos na Constituição da República em seu Artigo 5, que descrevem os direitos e garantias individuais.  A preocupação do legislador Constituinte foi de tamanha monta com a liberdade que esculpiu o princípio da não culpabilidade, que prevê –“ ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, leia-se, quando não houver mais possibilidade de recursos.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em recentes decisões, entendeu por mitigar este princípio, permitindo que o réu de processo criminal pudesse iniciar o cumprimento de sua pena a partir da condenação de 2ª instância, na qual se exauria a matéria fática.

Apesar de não ser uma obrigatoriedade, e sim uma possibilidade, os tribunais de segunda instância têm adotado este “novel” posicionamento como regra absoluta, ou seja, julgado o processo nos tribunais de 2º grau, expede-se, incontinenti, o mandado de prisão do acusado.

Sem pretender questionar o posicionamento da Corte Suprema, fato é que a regra não pode ser absoluta e automática, devendo a decisão que determina o cumprimento da pena ser fundamentada.

Tem-se, por exemplo, duas hipóteses: A primeira, o réu fora condenado em 1º grau e sua sentença confirmada na segunda instância sem divergência. Neste caso, não há dúvida que a unanimidade diminui o risco de erro judicial ou de interpretação. O processo fora examinado e julgado por quatro magistrados, um Juiz e três Desembargadores que tiveram a mesma leitura dos fatos e das provas constantes no processo.

Lado outro, em uma segunda hipótese, o réu condenado em primeiro grau recorre para segunda instância. Ao ser julgado sua apelação há divergências, um dos três julgadores o absolve do crime imputado pelo órgão acusador. Novo recurso é interposto – Embargos Infringentes – sendo que agora são convocados mais dois julgadores para a proferirem nova decisão. Ao ser pautado o processo para julgamento, o resultado, desta vez, passa a ter dois julgadores que decidem pela absolvição por falta de provas e três pela condenação.

A conclusão do julgamento por 3 votos pela condenação e 2 pela absolvição não deixam dúvidas que há uma divergência considerável quanto a conduta praticada pelo réu, não sendo justo, a meu sentir, o imediato recolhimento do réu à prisão para dar início ao cumprimento da pena, sem o trânsito em julgado da sentença condenatória. A regra da prisão a partir do julgamento em segundo grau não pode ser absoluta e automatizada, devendo ser examinada caso a caso, como nas hipóteses exemplificadas, sob pena de darmos, a determinados casos, ares de justiçamento e não da aplicação da justiça.

Bady Curi Neto, advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG)

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