ARTIGO | A COVID-19 E O DESAFIO DE SER PRESIDENTE EM MEIO À CRISE

Para o bem do Brasil e dos brasileiros, é urgente que o presidente passe a compreender que o peso da responsabilidade do cargo que ele já ocupa hoje, em meio a esta crise, precisa ser maior que os interesses e conveniências relacionados ao seu projeto de recondução para um segundo mandato.

A pandemia causada pelo novo coronavírus já supera a espantosa marca de 1,5 milhão de pessoas com diagnóstico positivo confirmado ao redor do mundo – as estimativas acerca do nível de subnotificações permite supor que o número de contaminados seja substancialmente maior – e, apenas nos Estados Unidos – que, com quase meio milhão de casos tem o maior número de infectados do mundo. Segundo dados compilados pela Universidade Johns Hopkins, nesta quarta-feira (8) -, foram aproximadamente 15 mil mortes, sendo que 1.500 apenas nas últimas 24 horas.

No Brasil, até às 7h desta quinta-feira (9), temos 16.238 casos contabilizados pelas secretarias de Saúde em todo o país, com 826 mortes pela COVID-19. Esses números – considerando que à ausência de testes em massa favorece elevados níveis de subnotificação -, somados ao fato de que a velocidade de propagação apresenta um crescimento exponencial são mais que suficientes para indicar que estamos diante de uma situação gravíssima, com consequências econômicas, sociais e de natureza humanitária, ainda não devidamente dimensionadas.

O enfrentamento a uma crise como está exige estratégias articuladas, que vão deste o isolamento social e outras ações que visam a redução da chamada “curva de contágio”. O fortalecimento do sistema de Saúde nos estados e municípios em sua capacidade de diagnóstico e assistência aos infectados, uma rede de proteção social para atendimento dos mais vulneráveis aos efeitos sentidos no mercado de trabalho, assim como medidas que proporcionem um ambiente favorável à retomada da atividade econômica.

Mesmo diante desta polarização persistente que aflige o cenário político brasileiro, a necessidade de ações integradas, em todos os níveis de governo, força a necessidade de relegar a um segundo plano os diversos projetos eleitorais – em curso ou ainda em construção, quer para 2020 ou 2022 – para que, neste momento, seja possível a adoção rápida e assertiva das políticas públicas, tanto as de Saúde como as Econômicas, com foco no combate ao vírus e em suas consequências, inclusive para o setor produtivo.

Um exemplo a ser seguido deveria ser o do governo de Israel e da Autoridade Palestina que, em um esforço conjunto, formaram um gabinete de crise, o qual, por razões de segurança, funciona em local secreto. Diante deste inimigo comum, que não faz distinção entre judeus e árabes, diferenças profundas, que historicamente ultrapassaram os limites da política para a violência, foram deixadas de lado em função desta circunstância excepcionalíssima.

Infelizmente, no Brasil, até aqui não se conseguiu avançar na construção de um consenso mínimo, de uma agenda republicana que permita, para além das diferenças de natureza política, partidária ou ideológica – as quais, como é natural das democracias, continuarão a existir -, a coordenação de esforços entre o governo federal, estados e municípios.

A primeira, e talvez a maior dificuldade para a consolidação deste esforço conjunto, no Brasil, diz respeito ao estilo adotado pelo governo Bolsonaro, a começar pelo perfil pessoal do presidente e de seu grupo político, sempre predispostos ao enfrentamento. O foco na construção de narrativas, nem sempre fundadas em fatos, e em um embate de natureza ideológica que tem como pano de fundo o projeto de reeleição em 2020, enquanto mantido, impede o presidente de se posicionar como polo aglutinador de uma estratégia nacional de combate ao COVID-19.

Quando opta por pressionar pela retomada imediata da atividade do comércio – apelando, inclusive, por uma retórica em tom autoritário, que afronta ao autonomia dos estados -, o presidente – agindo em favor de uma estratégia de natureza política, cálculo eleitoral e atendendo à pressão de grupos econômicos específicos – contraria as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), endossadas pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e de seu próprio governo, age na contramão do que vem indicando o conhecimento científico e se contrapõe aos governadores, que acertadamente adotam medidas de isolamento horizontal.

Apesar das consequências à economia – que, seguramente, são um fator que precisa ser seriamente considerado -, o distanciamento social, a redução das atividades aos serviços essenciais e a restrição ao movimento de pessoas, são as opções que trazem resultados mais efetivos no achatamento da curva de transmissão, como bem reconhece o documento intitulado “Crise COVID-19: estratégias de transição para a normalidade” elaborado pelo Centro de Altos Estudos Estratégicos do Exército (CEEX). Segundo o estudo, o isolamento seletivo, ou vertical, para determinados grupos de risco – defendido pelo presidente Jair Bolsonaro -, poderia, a depender do cenário, vir a ser adotado, mas, apenas numa etapa posterior, quando já for possível verificar o achatamento da curva de contágio.

Como a evolução dos números de infectados e óbitos desautorizou a retórica inicialmente adotada por Bolsonaro – aquela, segundo a qual este novo corona vírus seria apenas uma “gripezinha” -, o presidente, mantendo o discurso que defende a manutenção do comércio em funcionamento e passou a defender, em seu discurso político, o uso amplo, desde a fase inicial da doença – em desacordo com os protocolos do Ministério da Saúde, que apenas indica seu emprego para aqueles internados em estado grave -, da hidroxicloroquina no tratamento dos pacientes com COVID-19, embora faltem estudos conclusivos sobre a eficácia do medicamento.

A narrativa que o presidente e seus aliados tentam emplacar é uma segundo a qual, uma vez que o tratamento precoce a base de hidroxicloroquima teria sua eficácia comprovada – o que, importa destacar, ainda não é possível afirmar -, o cenário já permitiria o relaxamento, mesmo antes de uma redução na velocidade de propagação, das restrições ao funcionamento da atividade comercial.

Quando insiste em meios para revogação das medidas de isolamento horizontal, o presidente opta pelo caminho do confronto não apenas com os governadores, mas também com os integrantes de seu próprio governo que – se recusando a tomar parte na “cruzada ideológica” a que se dedicam setores mais radicais da militância “bolsonarista” – decidem adotar critérios técnico-científicos na definição das políticas e estratégias de enfrentamento a esta crise. Nesse sentido, situação na qual se encontra o ministro Mandetta é o caso mais emblemático.

Evidente que há aqueles que irão se aproveitar da crise, e da eventual queda de sua popularidade para pressionar o governo e o próprio Bolsonaro, cujo favoritismo na disputa por sua própria sucessão parece diminuir diante da evolução desta pandemia e do prenúncio dos impactos econômicos que podemos esperar. O presidente não pode se ver impedido de reagir a estes, e não seria razoável supor que o governo somente faria um bom trabalho na condução do combate a esta pandemia caso deixe de responder aos ataques de seus adversários – que também tem em projetos político-eleitorais suas motivações – e abra mão de concorrer à reeleição.

É natural que o governo federal – especialmente nesta gestão, que buscava na redução do gasto público uma das principais marcas de sua política econômica -, em um ambiente onde o déficit primário já caminha para os inacreditáveis R$ 500 bilhões em 2020, reaja às pressões no sentido de ampliar o volume de repasses e custear as perdas de arrecadação de estados e municípios.

Seria importante, inclusive desejável, que o governo federal impusesse aos estados medidas relacionadas ao corte de despesas não-essenciais e outras medidas de austeridade fiscal, como condição para essa transferência de recursos. É preciso destacar que, diante dessa crise, prefeitos e governadores também precisam fazer a sua parte, priorizando recursos para as áreas essenciais ao enfrentamento ao corona vírus e a superação das consequências desta pandemia.

Um fator que precisa ser considerado, também, é que algumas ações e posições que vem sendo adotadas por governadores escondem, por trás de um discurso de gestor responsável e da retórica em tons aparentemente republicanos, apenas o desejo de um aspirante à cadeira presidencial de instrumentalizar esta crise para pavimentar sua caminhada ao Planalto.

Para 2022, Bolsonaro está diante de um árduo desafio. As circunstâncias que o levaram a presidência em 2018, dificilmente se repetirão e o clima de polarização já dá sinais de que irá favorecer um ambiente de “todos contra o Bolsonaro”. Diante disso, é natural que o presidente – que também cumpre o papel de líder desta corrente política formada em função de sua persona – sinta a tentação de antecipar a disputa eleitoral e parta para o ataque aos seus adversários – como é de seu estilo -, sempre com os olhos no pleito.

Entretanto, para o bem do Brasil e dos brasileiros, é urgente que o presidente passe a compreender que o peso da responsabilidade do cargo que ele já ocupa hoje, em meio a está crise, precisa ser maior que os interesses e conveniências relacionados ao seu projeto de recondução para um segundo mandato.

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