Comunicação & Problemas | Imprevidência, mania brasileira

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

 

Mania brasileira

    Vem de décadas. Não começou nesta transição que ruma não se sabe a quê. Nem integra a tal ‘herança maldita’ do Pt.

    Refiro-me à insopitável mania brasileira de trancar a casa depois de arrombada a porta, não prever o claramente previsível, muito menos preveni-lo e depois, ante a surpresa do esperado, remediar o irremediável.

Indiferença, gosto de sangue

    A bola da vez, claro, é a matança nos presídios. Numa semana contabilizou-se coisa de uma centena de mortos.

    De tão repetidas na imprensa, as estatísticas acabam por anestesiar a opinião pública. Mas saber que seres humanos (mesmo presidiários, que muitos parecem excluir da espécie) foram torturados, desmembrados, decapitados – isso assusta.

    E constrange que um governador do Amazonas diga que “ninguém era santo” entre os chacinados, a sugerir indiferença e um certo alívio; e que um secretário do governo federal (agora ex-, menos mal), talvez a sentir gosto de sangue, ache pouco e preconize mais mortes por atacado.

Estratégia equivocada

    Era tudo previsível. Crescia nas penitenciárias o domínio das organizações criminosas, que na prática já as administravam. Tal foi permitido por equívocos estratégicos: por exemplo, reunir em unidades prisionais os membros de facções, o que eventualmente evitava conflitos mas sempre facilitava a estratégia da bandidagem. Sim, ela sempre teve estratégia, ao contrário do poder público que só age – quando age – por impulso, em resposta aos desastres.

Mais do mesmo

    Ao desafio do crime organizado o estado não sabe o que fazer e propõe mais do mesmo que não deu certo. Anuncia um ‘plano nacional de segurança’ (o terceiro em dez anos), destina verbas à construção de presídios (as anteriores não saíram do papel), fala em enfrentar o problema mediante articulação das três esferas de poder, as que nunca se articulam e, de resto, haveriam de estar desde sempre articuladas.

Incompetência cotidiana

    Plano estratégico de segurança é indispensável, há que construir novos presídios, ação coordenada entre esferas de governo (e também entre poderes) é condição necessária mas tais medidas, ademais de insuficientes, tenderão a perder-se na proverbial incompetência da gestão cotidiana dos presídios.

    Não dá pra entender que celulares e armas continuem a atravessar-lhes os portais por falta de detectores; que não haja bloqueio de comunicação telefônica. Pior: que nada se faça contra a corrupção que alicia agentes penitenciários e permite à hierarquia do crime driblar os controles e adquirir meios de gerenciar, além dos quadros internos, seu exército de contrabandistas, traficantes, assaltantes, sequestradores…

Jogo mal jogado

    O caos nas prisões é a bola da vez, mas há outras na marca do pênalti nesse repetitivo jogo em que a imprevidência disputa com a incompetência o primado do desgoverno.

    Neste janeiro reproduz-se o drama de comunidades atingidas por enchentes e tudo se atribui a forças da natureza, imprevisíveis e incontroláveis.

Certeza ignorada

    São nada disso: consequência inevitável das chuvas são as enxurradas, maiores a cada ano na medida em que mais se constroem vias, prédios e impermeabiliza-se o solo, assoreiam-se os rios e estreitam-se-lhes os leitos. As cheias dos cursos d’água são tão certas quanto a passagem de dezembro para janeiro, mas se espraiariam inofensivamente se não lhes tirássemos o espaço de dispersão.

Reversão dos termos

    Também nesse caso só agimos depois das águas derramadas, e apenas sobre as consequências das catástrofes. Providências preventivas, quando as há, visam somente construir – barragens, bacias de contenção; invariavelmente a tônica da ação de governo é a reposição do que foi destruído.

    É mais que hora de inverter os termos da equação: em vez de conjugar os verbos somar e multiplicar, pensar em subtrair e dividir.

Menos é melhor

    Para efetivamente prevenir os desastres originados das chuvas de verão há que não construir (ruas, casas, nem mesmo bacias ou barreiras de contenção) sem pensar nos destinos das águas que correm no local e dividi-las adequadamente nas vertentes; e preservar as margens dos rios, impedir construções que os estrangulem nas cheias; retirar as situadas em locais que signifiquem riscos para si próprias e para os rios.

Distorção, miopia

    Simétricos ao das enchentes, os problemas das secas que comprometem o abastecimento de água nas cidades tampouco são enfrentados adequadamente. Pensa-se somente em buscar mais fontes e ignora-se que água é recurso limitado, não se poderá multiplicar indefinidamente.

    As graves restrições de oferta na região metropolitana de São Paulo há dois anos e as atuais em Brasília são emblemáticas dessa visão distorcida e míope. Ninguém percebe que é preciso poupar, suprimir o desperdício e sobretudo viabilizar o reaproveitamento – nos atuais sistemas de abastecimento a maior parte da água captada é mal utilizada ou, simplesmente, jogada fora.

 

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