Conjuntura & Atualidade | A decepção nossa de cada dia

A realidade anda por rumos que não somos capazes de prenunciá-los. Todos os dias o cardápio de espantos são pródigos. De desastres à imbecilidades, vamos percorrendo um itinerário de frustrações e decepções. Tudo parece caminhar numa frequência desconexa com o equilíbrio. A marcha cotidiana avança sistematicamente rompendo as lógicas do bom senso. Nada parece ser forte o suficiente para conter essa caudalosa onda. Quando achamos que as coisas estão se acomodando, uma sobreposição de acontecimentos nos arrastam novamente para o “olho do furação”.

Além dos conflitos de grande impacto em nossas subjetividades, uma sucessão infinita de acontecimentos afetam os nossos microcosmos simbólicos. A culpa não é isoladamente de Trump, Temer ou da Dilma. A culpa parece ser do outro, um sujeito indeterminado, mas, que a qualquer momento ganha forma, corpo e visibilidade. Sartre dizia que “o inferno são os outros”. Em sua perspectiva existencialista, ninguém seria nada enquanto não fizesse uma escolha. O problema desse enunciado é que, toda escolha implica direta ou indiretamente na escolha do outro. Esta equação gera uma tensão angustiante, pois, todos afetariam e seriam afetados concomitantemente.

O problema maior desse enredo é a naturalização e a inevitabilidade com a qual nos adaptamos a ele. O conceito de livre arbítrio tanto servia para designar uma lógica existencialista ou religiosa. Independente do posicionamento de cada um, o ser humano moldava a realidade a partir das suas escolhas. Na contemporaneidade o enredo prescinde do posicionamento singular. Somos seguidores de tendências, modas, estilos, orientações, conceitos e preconceitos que não nos representam, mas nos seduzem, nos movem a reagir por meio da reação do outro. Assim, a pauta cotidiana se avoluma, se hipertrofia de uma força obstrutiva que nos demove de pensar para além desse norte esquizofrênico.

E quando tudo parecia ter chegado ao seu ápice, o processo se retroalimenta indicando novos horizontes ainda mais sombrios. Como se não bastasse todos os atentados, crises econômicas, a desumanidade em relação aos refugiados, a extrema direita se evidencia como possibilidade no panorama político europeu. Em relação aos Estados Unidos, não há o que falar, Donald Trump em seu Twitter se desnuda em público. Nós latino-americanos continuamos em um plano metafísico crônico, buscando em qualquer horizonte um messias que dê jeito em nossas vidas. À Ásia que sempre se apresentou mais contida e refreada se amontoa em escândalos e conspirações surreais. O Continente africano vive à margem do mundo com suas mazelas historicamente arraigadas.

Nesse grande labirinto o Brasil bate cabeça de todos os lados. O projeto de nação está esfacelado, cada um puxa a corda pra um lado disputando espaço no espetáculo. A população não sabe ao certo onde fixar o seu olhar, tenta com certo desespero discernir entre a cabeça de porco, o papelão e a salmonela. Mas não nos preocupemos, o entretenimento diário está garantido, temos uma legião de atores bem treinados nas três principais instâncias da República muitíssimos bem qualificados para manter o show. Aguardemos os próximos capítulos desse emaranhado de tramas e dramas em que o mundo se transformou. Que a programação desse grande reality show possa perder força. Que nós, espectadores passivos desse alheamento da realidade, aprendamos a enxergar o “botão” para mudarmos de canal ou desligarmos esse aparelho alienante.


Paulo Passos é graduado em Ciências Sociais, mestre em Ciência Política, doutor em Ciências da Religião e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

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