Conjuntura & Atualidade | Coaching espiritual


O mercado religioso brasileiro acrescenta mais uma oferta ao seu variado cardápio. Recentemente, alguns segmentos religiosos passaram a ofertar em seu rol de serviços o “coaching espiritual”. Esta modalidade se pauta na compreensão que a espiritualidade compreende uma das muitas inteligências constitutivas do ser humano. Porém, para que esta inteligência se desenvolva e passe a oferecer os benefícios característicos dessa faculdade, o aspirante ao desenvolvimento espiritual precisa de orientação e uma exigente disciplina.

A narrativa que sustenta e justifica a busca da espiritualidade por esta via tão pouco convencional, se pauta na conjugação de que racionalidade e espiritualidade trabalham concomitantemente na manutenção do equilíbrio individual. Qualquer disfunção em um desses campos implicaria em um consumo de energia essencial para o bom funcionamento da vida. O paradoxo se assenta quando os “operadores espirituais” garantem os resultados dessas intervenções afirmando que as técnicas e procedimentos adotados foram testados e comprovados cientificamente. Historicamente, razão e espiritualidade protagonizaram embates profundos pela disputa de qual dessas instâncias capitanearia o comando dos direcionamentos da vida. Apesar de muitos embates entre esses dois polos, a ideia de que haja uma correlação ou interdependência desses cosmos na harmonização do existir humano reúnem muitos adeptos. O que chama a atenção são os hibridismos simbólicos incorporados a tais promessas de empoderamento.

Parece que, tanto a racionalidade, quanto a espiritualidade produzem os seus gargalos.  Sendo assim, a junção das duas vias na pavimentação de uma baliza mais segura, acaba por despertar a atenção de uma clientela mais refinada na demanda por novas mercadorias simbólicas. Em tempos de “personalização” de quase tudo, de como se exercitar, se vestir, comer e pensar, a figura do técnico ou personal da espiritualidade não chega a produzir muito estranhamento. O problema reside em como encaixar Deus nesse processo. Partindo do pressuposto defendido pelos adeptos do “coaching espiritual”, se Deus tinha certa predileção pelos mais humildes, sofredores e convictos em sua santidade, agora passa a ser uma questão de acesso, disciplina e empenho nas práticas da técnica e do técnico.

Em uma propaganda na internet, traz o detalhamento dos principais benefícios  do “coaching espiritual”: autocontrole emocional; autocura – de sentimentos e pensamentos negativos e recorrentes; aprender a perdoar a si mesmo; maior consciência da força Interior; fortalecimento das emoções positivas; ressignificação de eventos negativos que influenciam negativamente pensamentos e ações; aprender a desligar-se do passado e viver o aqui e agora; valorização de sua essência; melhoria sistêmica nos relacionamentos; empoderamento do Eu.

Nas “prateleiras” do mercado religioso contemporâneo há mercadorias e serviços para todos os bolsos, estados psíquicos, modismos e conveniências. De contatos imediatos com comunidades alienígenas à “borracheira” da ayahuasca, tudo se legitima na virtualidade do tempo presente. Se o “coaching espiritual” tem algo a nos dizer é que, no campo da fé não há certo ou errado, cada um se agarra onde pode na tentativa de encontrar uma sustentação mínima para condução da própria vida.


Paulo Passos é graduado em Ciências Sociais, mestre em Ciência Política, doutor em Ciências da Religião e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

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