Dia Internacional da Mulher terá greve feminina em diversos países | Entrevista com a socióloga Eva Blay

O Dia Internacional da Mulher, lembrado hoje (8), deverá ser marcado por paralisações de mulheres em pelo menos 30 países. A ideia é fazer uma greve geral, para reforçar a importância do papel das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade.

A ideia do protesto veio do movimento de mulheres argentinas Ni Una Menos. Em 19 de outubro do ano passado, elas foram às ruas e paralisaram as atividades para protestar contra os 200 assassinatos anuais no país em decorrência de violência de gênero.

No Brasil, movimentos feministas programaram protestos para hoje em todos os estados, mas a greve prevista para outros países deve ser mais difícil de se concretizar por aqui, por causa das difíceis condições de trabalho enfrentadas pelas brasileiras.

“Uma coisa é organizar uma greve em um país que tem quase pleno emprego, outra coisa são as mulheres aqui no Brasil, completamente precarizadas – a maior parte empregada no serviço doméstico, autônomas, completamente sem proteção – dizerem que vão parar”, admite Maria Fernanda Marcelino, integrante da Sempreviva Organização Feminista e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Para as que não puderem parar suas atividades, as organizações feministas incentivam o protesto de outras maneiras – usando uma roupa roxa ou fazendo manifestações no próprio local de trabalho. “O importante é identificar que estamos em luta, independentemente de podermos parar ou fazer greve. Sabemos que nem todo mundo pode parar, ainda mais diante de um cenário de desemprego no Brasil”, diz Fernanda Sabóia, da Articulação de Mulheres Brasileiras.

A ideia é que as intervenções sejam postadas em redes sociais, com as hashtags #8MBR, #EuParo e #ParadaBrasileiraDeMulheres.

Para a assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Joluzia Batista, as manifestações mais simbólicas também devem ser valorizadas. “É uma forma de as mulheres que estão mais impossibilitadas, com horários mais rígidos, poderem se manifestar também”.

 

Brasília - Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver em Brasília, reúne mulheres de todos os estados e regiões do Brasil (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

O Dia Internacional da Mulher será marcado por protestos e paralisações em pelo menos 30 países. As mulheres querem chamar a atenção para temas como racismo, aborto e violência contra elas. Na foto, Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver ocorrida em Brasília, em 2015Marcello Casal Jr/Arquivo Agência Brasil

 

Reforma da Previdência

No Brasil, a principal pauta das manifestações é a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo federal. A avaliação é de que as mulheres serão as mais prejudicadas com a mudança.

“Se essa reforma da Previdência passar, as mais atingidas, que padecerão com o empobrecimento rapidamente serão as mulheres, pela equiparação do tempo de aposentadoria com os homens, desconsiderando a dupla jornada de trabalho, toda a precariedade que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho formal”, diz Maria Fernanda.

As mulheres também querem chamar a atenção para temas como racismo, aborto e violência contra as mulheres. Apesar dos temas em comum que serão abordados em todo o país, cada estado se organizou de acordo com as suas prioridades. “Acreditamos na força do movimento feminista de construir as pautas em cada estado, em cada cidade, as mulheres tem organização própria e sabem muito bem o que está afetando as suas vidas”, explica Fernanda Sabóia.

Dia de Luta

Mulheres devem protestar em pelo menos 30 países durante o Dia Internacional da Mulher. Elas querem mostrar a importância do papel das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade. Na foto, a manifestação Ni Una Menos ocorrida no vão-livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), em outubro de 2016 Rovena Rosa/Arquivo Agência Brasil “O 8 de março não é dia de flor, é um dia de luta”, ressalta Maria Fernanda. “Ainda continuamos trabalhando muito mais que os homens e sendo completamente desvalorizadas, sofrendo violência, e tantas questões que precisamos inverter.”

Além de chamar a atenção para a importância da mulher no mercado de trabalho, o movimento quer conscientizar a sociedade para todos os problemas enfrentados pelas mulheres.

“As mulheres estão sobrecarregadas, seja do trabalho remunerado, como o não remunerado, porque nós somos donas de casa, mães, trabalhamos fora. Somos 52% da população brasileira, então a nossa situação ainda é à margem da sociedade, vítimas de tanta violência”, diz Fernanda Sabóia.

Brasil

Uma das organizadoras do protesto no Rio de Janeiro, Tatianny Araújo, teme que a proposta de reforma da Previdência sobrecarregue mais as mulheres, que se ressentem da falta de uma série de serviços públicos no país.

“Não temos lavanderias públicas, restaurantes públicos, sequer temos creches. O nosso trabalho dentro de casa não é reconhecido, não é remunerado, mas é trabalho”, afirmou Tatianny, que é servidora federal e representante do Fórum de Saúde Pública do Rio.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), mulheres ganham menos que os homens, na mesma função e mesmo que tenham mais anos de estudo.

Maysa Carvalhal, da Marcha Mundial de Mulheres, destaca que elas têm os piores salários, ou são subremuneradas, e que muitas trabalham sem carteira assinada. “E [estão] fora dos espaços de decisão.”

As feministas rebatem o argumento de que, nos países mais desenvolvidos, a contribuição para a Previdência é a mesma para homens e mulheres, dizendo que, lá, as desigualdades de gênero são menores e que há bônus para compensar o serviço doméstico, o que não ocorre no Brasil.

Estão previstas manifestações também em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza e Curitiba.

História

A historiadora Tania Navarro Swain compara a mobilização desta quarta-feira com um fato ocorrido em 1975 na Islândia, quando mais de 90% das mulheres paralisaram suas atividades para exigir o reconhecimento de seu trabalho.

“E deu resultado, com a equiparação dos salários logo em seguida e a Presidência do país assumida por uma mulher nas eleições posteriores. Não se pode esperar que, em todos os países, a mobilização seja tão poderosa, mas espero que seja espetacular, trazendo milhões de mulheres às ruas para mostrar e exigir uma cidadania que até agora tem sido esgarçada em uma pluralidade de aspectos”, diz a professora aposentada da Universidade de Brasília (UnB) e editora da revista digital de estudos feministas Labrys.

O movimento no Brasil vai se unir a grupos internacionais como Ni Una Menos, da Argentina, a Marcha das Mulheres de Washington, nos Estados Unidos e as Marchas contra a criminalização do Aborto, na Polônia. A ideia do protesto surgiu com o movimento de mulheres argentinas, em outubro do ano passado, e a organização de mulheres polonesas que, no mesmo mês, foram às ruas contra uma lei que proibia o aborto e que foi rejeitada após a pressão popular.

 


“O feminismo avançou, mas não consolidou os avanços”, diz socióloga Eva Blay

Para explicar a importância da igualdade entre gêneros para os homens, a socióloga Eva Blay diz que sempre conta uma historinha. “Eu fazia a conta. Você [homem] ganha R$ 20. A tua mulher ganha R$ 10. Quanto entrou na sua casa? R$ 30. Então ficou faltando quanto? Quem ficou com esses R$ 10 [que estão faltando]? Quando você joga essa pergunta: ‘quem ficou com os R$ 10?’ – e não foi nem você, nem sua mulher nem sua casa – era fantástico”, disse, em entrevista, na semana passada, no campus da Universidade de São Paulo (USP), na sede do escritório da USP Mulheres.

Eva prefere não falar de si, mas sua história de luta pelos direitos das mulheres é longa. Socióloga e professora titular da Universidade de São Paulo (USP), Eva Blay, 79 anos, foi senadora e atualmente coordena o Escritório USP Mulheres, que trabalha para o enfrentamento da violência contra a mulher, para a garantia da igualdade de gênero no Brasil e conta com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para ela, o feminismo avançou muito ao longo dos anos, mas a consolidação dos direitos das mulheres no mundo nunca foi, de fato, consagrada. “Na sociedade não existe, nunca [houve] uma consolidação. O que existe é sempre um processo”, destacou.

Na entrevista, Eva fala sobre o surgimento do Dia Internacional da Mulher e diz que a data remonta a várias lutas femininas.

Ela destaca que a violência contra a mulher continua em todo o mundo, mas que no Brasil a distorção é ainda pior. “O Brasil está em quinto lugar no assassinato de mulheres”, destaca.

Entrevista

Como teve início as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher?
Eva Blay: O dia 8 de março não começou no dia 8 de março. Começou com a Clara Zetkin, uma socialista que apresentou em um congresso socialista [2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas], em 1911, uma proposta de um dia internacional para as mulheres. Então, como socialista, ela queria uma coisa geral. Naquela época, mais ou menos como agora, havia uma série de dificuldades. Mas acho que, naquela época, a situação era pior. As mulheres não tinham horário de trabalho. Então, trabalhava 12 horas, 15 horas, as crianças trabalhavam. Quando as mulheres, naquela época, saíram às ruas com essa proposta – ainda era época do czar – elas achavam, e aí já não eram as socialistas, que podiam conseguir do czar um certo apoio, uma certa redução da jornada, mas ele mandou a polícia para cima delas e foi um morticínio total. Depois disso, sempre do ponto de vista político, as mulheres continuaram a lutar por um dia de reivindicação, um dia de luta, não festivo. Mas em vez de pensar em luta, o que a sociedade capitalista inventou? Vamos dar bombons e flores. Ora, nós não queremos bombons e flores apenas. Venham os bombons e as flores, mas não só isso. O que nós queremos é a igualdade de direitos e de deveres como está na Constituição de 1988.

E quais foram os avanços conquistados pelas mulheres desde então?
Eva: Homens e mulheres são iguais perante a lei. E ser igual significa o que? As mesmas oportunidades de estudar, de não ter limitações nas carreiras, de não ter um teto de vidro que limita a ascensão das mulheres nas carreiras. Enfim, uma mudança geral na estrutura da sociedade. E estou falando especialmente da brasileira. Mas isso acontece em todas as outras sociedades. Por volta dos anos 50, essa reivindicação tornou-se o centro do movimento feminista no mundo todo. Não era só socialista, era feminista, era suprapartidária. E o movimento feminista incluiu todas essas reivindicações: a igualdade de direitos, a igualdade sobre, por exemplo, na família, de a mulher poder dizer quem é seu filho e quem é o pai do seu filho. Nós não podíamos fazer isso. A mulher, para trabalhar, precisava de autorização do marido. Para viajar, precisava de autorização. Ela não podia nem usar o próprio dinheiro. O movimento feminista começou a trabalhar todas essas questões. E, de uma certa maneira, avançamos. Avançamos do ponto de vista do direito, do ponto de vista da educação, as mulheres se tornaram altamente escolarizadas comparando com os homens e muitas foram para a universidade. O caminho da universidade é mais ou menos heterogêneo. Nas carreiras que são das ciências chamadas duras ou exatas, temos menos mulheres que homens. Mas estamos fazendo muita força para ampliar isso.

E o que falta conquistar?
Eva: Qual foi a área que não avançou? A violência. Na violência, nós não conseguimos avançar. Ela continua. Na pior situação, há o assassinato de mulheres, a violência dentro de casa, o estupro, o incesto. Tudo isso continua acontecendo e esta é a área que a gente menos conseguiu avançar. Não só no Brasil como na América Latina toda e no mundo, de forma geral. Mas aqui a distorção é muito pior.

Por que você diz que aqui é muito pior?
Eva: Por causa do número de mulheres. O Brasil está em quinto lugar no assassinato de mulheres.

A senhora tem escrito artigos destacando esse momento que o mundo vive com Trump [Donald Trump, presidente dos Estados Unidos] e Putin [Vladimir Putin, da Rússia]. Como a senhora enxerga épocas como essa que parecem de retrocesso?
Eva: Acho que vivemos um momento em que há várias forças em atuação. Evidentemente, quando você pega alguns grupos religiosos ou alguns indivíduos conservadores e muito conservadores, eles não admitem os avanços que nós conseguimos. Tem um aí que acha que a mulher tem que ser subserviente ao homem. Ou ele acha que o casamento entre homossexuais é uma aberração. Não concorda com o aborto mesmo em caso de anencéfalos. Até em coisas que já avançamos existem aqueles que querem voltar atrás. Por isso, acho muito importante a gente nunca perder de vista que o feminismo avançou, mas não consagrou os avanços. Você tem que estar sempre alerta porque senão volta para trás. Vide o Trump que, nos Estados Unidos, quem imaginaria que ia fazer as propostas tão retrógradas como ele está fazendo?

Há como recuperar o Dia Internacional da Mulher como um evento de luta? Esse ano parece um ano especial, de mobilização e de greves, em nível internacional. Tem como voltar a marca do dia de luta e não do dia de bombons?
Eva: Acho que hoje em dia ninguém ousa pensar o Dia Internacional da Mulher como o dia do bombom. Eu não vejo mais isso não. Se você andar pela rua ou mesmo aqui pelo campus [da USP], o que você vê? Frases e cartazes assim [ela mostra postais com frases que pedem o fim do assédio e da violência contra a mulher], de que isso tem que parar. A violência sexual tem que parar. Elas podem ser chefes no trabalho, elas podem andar como quiserem. Você deve apoiá-las. Isso nós estamos fazendo. Agora, elas podem sair à noite sozinhas. Hoje você pega uma adolescente e ela não aceita mais vir com essa conversa. Ela quer andar de shorts sim, decotada sim e ninguém tem nada a ver com isso. Elas já absorveram esse feminismo.

Esse é o momento que você falou que está faltando, da consolidação do feminismo?
Eva: Na sociedade não existe, nunca [houve] uma consolidação. O que existe é sempre um processo. É um processo que pode ir e voltar. Se você comparar hoje com, por exemplo, quando conquistamos o direito ao voto, quando a Bertha Lutz [biológa] lutou pelo direito ao voto, em 1920. Sabia que ela jogava panfletos por avião? Quem tinha avião naquela época? Ela fez todo um trabalho de direito ao voto. Então já era uma coisa forte. Havia muitas jornalistas feministas. Se você pegar de 1850 para frente, o número de mulheres jornalistas e feministas era muito grande. E depois teve um retrocesso.

As adolescentes podem ser um novo [avanço]?
Eva: Acho que estamos avançando. Por exemplo, na violência, a gente não superou os limites. Mas a gente tem a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio. Mas agora é uma questão de cultura. Você tem a lei, mas não tem ainda a cultura para implantar isso.

Tem alguma lei que pode ajudar?
Eva: Lei não adianta. A lei ajuda. Ela pune. Isso é importante. Mas nós vivemos em uma cultura patriarcal, uma cultura machista. Então, enquanto você viver em uma cultura machista, você não consegue acabar com isso. Vou dar um exemplo. Tem um fulano, que não quero citar, que matou a mulher e era uma pessoa notória porque ganha dinheiro. Dois dias depois, o que vejo nos jornais? A seguinte frase: ‘fulano de tal [ela não diz o nome, mas ela está falando do goleiro Bruno, condenado por assassinato] está muito magoado com seus companheiros que não foram visitá-lo na prisão’.  Eu acho que os companheiros não foram visitá-lo na prisão porque não estavam de acordo por ele ser um assassino. Mas a mídia não está passando isso. A mídia está passando ‘coitado, ele pagou o seu crime, então agora ele tem que ser recepcionado’. Você colocar na mídia essa tentativa de dizer vamos recuperá-lo? A moça sumiu. Nunca se achou o corpo dela.

E as transgêneras?
Eva: Gênero significa o seguinte: quando você está pensando em uma pessoa, em um corpo, até agora a gente pensava apenas do ponto de vista biológico. Hoje não pensamos mais do ponto de vista biológico. Hoje pensamos mais. Você vive em uma sociedade e é a sociedade que tem uma cultura que vai ensinar para você a ser mulher, a ser homem. Isso é gênero. Gênero é o contexto dentro do qual as pessoas estão. Ao lado disso você tem homens que podem ser biologicamente homens, mas não se sentem homens, se sentem mulheres. E vice-versa. Homens que são bissexuais, mulheres que são bissexuais. Hoje tem os crossdresser [termo que designa pessoas que se vestem com roupas associados ao sexo oposto], que é uma coisa muito interessante, que são homens que se vestem como mulheres. É raríssimo o caso contrário, mas tem também. Você vive em uma sociedade que, felizmente, as coisas agora estão aparecendo. Em vez de o cara ficar enrustido ou se suicidar, em vez de ele ficar sofrendo, hoje em dia não. Claro que não é todo mundo que hoje em dia aceita essa decisão. Porque a pessoa é o que ela é. Não importa. Desde os 3, 4 anos de idade, ela já começa a se definir. Ela não está escolhendo. Faz parte dela essa atuação, essa maneira de ser.

O 8 de março é um dia de luta também para a mulher trans?
Eva: Elas podem, por que não? Acho que sendo um dia internacional, cada um vai para a rua fazer o que quer.

(Informações da Agência Brasil).

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