Direita desinibida, esquerda constrangida

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

Mercado de cara feia

Pegou mal, muito mal a reação do mercado – o deus ex machina do capitalismo – que fez despencar as bolsas de valores no início desta semana. O movimento ocorreu tão logo se anunciou, nos Estados Unidos, que os ganhos dos assalariados crescem sustentavelmente e a economia aproxima-se do pleno emprego.

Quer dizer: o capitalismo não admite sequer ensaio de avanço social; ao menor sinal o mercado faz cara feia e manda seu recado: assim, não!, podem parar.

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Esquerda silente,…

Não encontrei na imprensa abordagens do fenômeno sob tal enfoque. Esperava-as de articulistas de esquerda, a perceber a notória contradição do capitalismo que lhe desmente tese tão cara – a de que sob sua égide estabelece-se o crescimento econômico e com ele o círculo virtuoso que tira as pessoas da pobreza e melhora a vida de todos.

…constrangida e…

Os pensadores da esquerda brasileira deveriam atentar para o que realmente serve a seus objetivos, se é que ainda defendem o primado da justiça social sobre outras considerações político-econômicas.

Em vez disso parecem constrangidos, preocupados em justificar até para si mesmos tanto tempo de engano com Lula e seu partido, nos quais apostaram tudo sem perceber que o populismo petista tem nada a ver com o ideal socialista.

Isso quando não perseveram na ilusão e seguem a defender o ex-presidente até da Justiça que legitimamente o condena, sem sequer admitir o trágico equívoco.

…imobilizada

O mais grave é que o pensamento de esquerda carece entre nós de quem lhe dê livre curso, exponha ideias e promova-lhes o debate amplo, irrestrito, sem medo de confrontar a direita – enquanto esta livra-se de antigos complexos e já não oculta o nome.

A esquerda, ao contrário, aprisiona-se em duplo impasse: o autoengano da recente aposta e o antigo, não purgado arrependimento de não se haver livrado a tempo do stalinismo, populismo à moda soviética cuja truculência destruiu o ‘socialismo’ mui erroneamente chamado ‘real’.

Direita desinibida…

Com raia livre, a direita que assumiu o poder faz valer as próprias teses.

Seu governo cambaleia na precária travessia da “pinguela” – como batizou o aliado Fernando Henrique a pretenciosa “ponte para o futuro” –, é recordista em impopularidade e acusado de corrupção.

Embaraça-se também na incompetência, mas consegue emplacar uma nova etapa da ‘modernização conservadora’ do indigente capitalismo brasileiro.

…promove retrocessos

Afora o duro ajuste neoliberal nas contas malversadas pelos erros do interregno petista e a insistência em mais do mesmo que não tem dado certo aqui nem alhures o governo conservador favorece, ao menos por omissão, trágicos retrocessos no desenvolvimento sustentável, no trato dos assuntos indígenas, nas questões ditas ‘comportamentais’.

Esquerda confusa…

Enquanto isso a esquerda escolhe mal os aliados e adversários, confunde-se entre o que apoiar ou combater. Não se livra do ônus de defender o populismo nem da oposição sistemática ao governo conservador, atrelada ao Pt que só pensa ‘naquilo’: adiar a prisão de Lula, a consumação de sua inelegibilidade e salvar o que puder do desastre nas próximas eleições.

…defende ‘pelegos’

Nem percebe, a esquerda, que ao opor-se radicalmente a mudanças nas ultrapassadas leis do trabalho, por exemplo, em vez de propor-lhes alternativas condizentes com seu ideário, só faz associar-se ao passado populista, ao anacrônico ‘peleguismo’ do imposto sindical e outros instrumentos paternalistas, alienantes e desmobilizadores dos movimentos progressistas.

Alternativa à direita

Dá-se o mesmo quanto à reforma da Previdência Social. A esquerda opõe-se a qualquer mudança e faz o jogo das corporações ditas sindicais enquistadas no aparelho estatal, aferradas a benefícios socialmente iníquos. Sequer cogita alternativas à proposta da direita, que por definição privilegia o capital.

Ao negar o rumo suicida das contas previdenciárias, seu caráter injusto e a urgência do problema, serve só aos caos e ao ‘quanto pior, melhor’ do discurso petista.

Noblesse aribuída

Comove-me o carinho de Teresa Neves Tavares:

Por intermédio de um amigo […] tenho lido seus belos escritos, que matam a saudade do Brasil. Vivo há dois anos em Paris, em pós-graduação […]. Gostei muito de sua resposta em francês: sintética e nobre, quando foi cobrado por um leitor. ‘Noblesse oblige’ […] expressa mais que a tradução literal […] ‘nobreza obriga’. Significa ‘quem é nobre tem que agir como tal’.

Obrigado!, Teresa. Se escorrego no latim, é bom saber que acerto em francês. Ainda mais se me atribui… noblesse.

Contra regras

Onestaldo Silva Pinto, que se apresenta “professor de Língua e Literatura Portuguesa e Brasileira”, questiona-me as afirmações sobre o uso dos pronomes e em defesa da forma culta da escrita em português, conforme os cânones; discorda deste humilde escriba e dos cânones; transcrevo-lhe a opinião:

A língua é viva e evolui, não pode se prender a preconceitos passadistas e elitistas, tem que se acomodar ao palavreado do povo que é seu dono e senhor. Que se danem as regras! Se as pessoas usam o seu sagrado pronome oblíquo átono antes ou depois do verbo os gramáticos é que devem se adaptar à maioria e mudar as normas.

Nome inspirador

Agradeço-lhe a participação, professor. E permita-me revelar admiração pelo seu nome, tradicional na cultura ibérica – se não me engano originado dos visigodos, um dos povos habitaram a península antes da dominação romana.

Explico: até receber sua mensagem só lhe conhecera dois homônimos. Com um deles convivi da juventude, é filho de um amigo-irmão de meu pai, como você cultor do idioma de Camões; infelizmente perdi contato com a família, inspiradora convivência.

Shakespeare por Onestaldo

Do outro só pela obra tenho notícia, mas não o perco de vista: leio-lhe frequentemente o nome, ao revisitar nas estantes da velha casa familiar em Rio Novo os livros de Shakespeare que me encantaram a juventude, traduzidos pelo literato português Onestaldo Penaforte.

Por décadas foi único tradutor do Bardo a nosso idioma, ainda hoje não sei de outro que enfrentasse toda a extensa obra. Mais recentemente descobri, ao assistir à encenação, que Shakespeare teve pelo menos uma de suas peças vertida ao português por Millôr Fernandes.

Preservação da cultura

Entretanto, professor Onestaldo, receio não estender a admiração que dedico ao nome a suas opiniões sobre o próprio metier. Reitero o dito na semana passada: expressão oral e escrita são necessariamente diversas e as normas gramaticais devem ser respeitadas, a bem da preservação da riqueza do idioma e da cultura luso-brasileira.

Comunicação facilitada

Ademais a escritura culta – descarto simplificações a sugerir elitismo – unifica a comunicação entre brasileiros de falares não exatamente iguais e facilita o intercâmbio com outros povos de expressão portuguesa – de Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique – terei omitido alguma nação-irmã africana? – e do Timor Leste; de Portugal, claro, onde se gestou o idioma e até dos escassos, persistentes lusófonos de outras ex-colônias asiáticas: Goa, Damão, Diu, Macau.

Endosso precioso

Nisto aprendo com Clemente Rosas, autor de artigo sobre o tema que comentarei em próxima edição – dou um tempo a releituras e melhor apreensão das lições. Antecipo: o que escrevi talvez possa apoiar-se nas teses do brilhante intelectual.

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