Marco Antônio Pontes | Alternativas sob Trump: retrocesso ou caos total

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

 

Pesadelo

Todo mundo ficou assustado naquele 9 de novembro de 2016 em que Donald Trump conquistou maioria no anacrônico colégio eleitoral que o faria presidente dos Estados Unidos.

Tempo que segue, quase três meses passados percebe-se que, afinal, o susto parece pequeno ante o pesadelo que se desenha com a posse do excêntrico bilionário de suspeitíssima fortuna (ao que consta, é o primeiro presidente dos Eua que se recusa a divulgar declarações de renda, desde que a prática consagrou-se na maior democracia do planeta).

Teste definitivo

A maior democracia do planeta está em cheque, seu decantado esquema de pesos e contrapesos entre os três poderes republicanos enfrenta o mais duro teste da história.

Ela aperfeiçoou-se em dois séculos e meio de evolução, que esteve longe de um progresso linear. O caminho pontilhou-se de episódios pouco meritórios: expansão territorial pela força das armas, a longa e sangrenta guerra intestina dita ‘da secessão’, marchas e contramarchas na garantia dos direitos civis dos negros, o ‘macarthismo’, intervenções descabidas em outras nações (inclusive para impor ou manter ditaduras), a ainda problemática assimilação dos imigrantes…, mas o sentido da derivada tem sinal positivo e dos momentos em que fraquejou soube extrair lições que a robusteceram.

Retrocesso

Duas alternativas de evolução dos Estados Unidos sob Trump podem vislumbrar-se, conforme se dê o balanço daqueles pesos e contrapesos.

Se ele parar funcionar a irresponsabilidade tomará o freio nos dentes, virá o caos; simples, assim.

Caso reafirme a tradicional eficiência a nação retroagirá ‘só’ uns dez anos, rumo ao fundamentalismo capitalista sob Bush filho. Poderão reeditar-se aventuras militares como a invasão do Iraque, de trágicas consequências para o Oriente Médio e o resto do mundo – inclusive a Europa, às voltas com milhões de refugiados.

2008 n

Nesta hipótese, digamos, favorável o estado reduzirá, como já anunciado e em parte perpetrado, os programas de proteção social e retomará o ‘liberou geral’ de passados governos republicanos, via desregulamentação dos mercados e concessões tributárias aos mais ricos.

As consequências esperadas são a reedição da crise financeira de 2008, porém exponencialmente ampliada, e o agravamento das disparidades de renda.

Desastre mundial

Ainda na alternativa menos traumática, as políticas típicas do Partido Republicano perderão o tempero tradicional da abertura comercial ao exterior: Trump já deu partida a anacrônico protecionismo, em favor das ultrapassadas e irremediavelmente condenadas indústrias do meio oeste e outras áreas defasadas do país, vítimas da globalização desencadeada pelo próprio capital estadunidense.

É no mínimo improvável que tal estratégia beneficie a economia dos Eua.

É muito provável que ocasione um desastre mundial, especialmente nas nações em desenvolvimento.

Compensações

Preocupado?, leitor. Melhor esperar um pouco, até aqui ainda se trata da hipótese favorável cujos resultados a curto prazo, desastrosos, poderiam talvez atenuar-se mais adiante graças ao funcionamento do citado esquema compensatório.

Por exemplo a Federal Reserve (o banco central lá deles), que é independente, escaldada pelos erros que cometeu e ensejaram a debacle de 2008, possivelmente conteria excessos da especulação financeira.

Freios possíveis

A ação de entidades de direitos humanos, pragmaticamente aliadas a corporações sindicais e grupos semelhantes, talvez reduzisse o prejuízo social.

A pressão de instituições ambientalistas, não só dos Eua, poderia impedir que a segunda nação mais poluidora da terra deserte dos acordos internacionais sobre o clima e iniciativas análogas.

A tensão entre a ‘economia real’ – indústria, agronegócio, comércio, o dinâmico setor terciário, a ‘nova economia’ do Vale do Silício, os médios e pequenos empreendimentos – e o hegemônico capital financeiro, quem sabe? haveria de refrear a força destrutiva da ‘trumpnomics’.

Conflitos

Se nada disso funcionar, será a tragédia global.

A insatisfação de setores preponderantes da sociedade, já significativa ante o que Trump ameaça fazer, tenderá a explodir em manifestações violentas ante o inevitável agravamento das desigualdades e aumento da pobreza.

Conflitos dessa natureza a gente às vezes sabe como começam, jamais como terminam.

Caos ambiental

Estimulados pelo discurso irresponsável, liberados pelo afrouxamento dos controles, os velhos e conhecidos agressores do meio ambiente (inclusive a velha indústria decadente, que Trump quer revitalizar) gerarão efeitos cada vez mais danosos em toda a América do Norte; azar dos mexicanos e canadenses, têm nada com isso mas perderão assim mesmo.

Sem a participação dos estadunidenses no processo de desenvolvimento sustentável, perderá força a noção de que estamos todos no mesmo barco e haverá retrocesso nos avanços duramente conquistados mundo afora. O resultado, obviamente, será o agravamento dos problemas ambientais, como a escassez de água potável e o aquecimento do planeta.

Capitalismo em cheque

A poderosa economia estadunidense mergulhará em crises cíclicas a intervalos cada vez mais curtos. Dado seu porte e internacionalização, arrastará consigo as demais.

As grandes crises de 2008 e 1979 assemelhar-se-ão a meros ensaios, até o estrondoso crack de 1929 parecerá um estalo inconsequente.

A médio prazo estarão em cheque a globalização e o próprio funcionamento do capitalismo.

(Aguardem:…

…tenho outras e mais pressagas conjeturas no mesmo tema; deixo-as para a próxima semana, para não cansar leitor.)

 

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