Tributo a Octavio Malta – (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]
Constituinte exclusiva
“É a única ideia para enfrentar os efeitos da devastação moral que se abateu sobre a República” – afirma Ruy Fabiano, referindo-se à convocação de uma constituinte ‘exclusiva’.
Ele encontrou a ideia salvadora em manifestações, distintas porém confluentes, dos juristas Reginaldo de Castro e Modesto Carvalhosa.
(O excelente artigo de Fabiano está no site abc.politiko.com.br.)
Sem perspectivas
Ao examinar o quadro revelado pela ‘delação do fim do mundo’, no qual os principais líderes políticos perambulam como zumbis entre as casas mal-assombradas em que se converteram seus partidos, Ruy é lapidar:
“Não há democracia sem políticos e partidos, a substituição de uma geração […] não se improvisa e o fato de a principal liderança emergente […] ser um outsider evidencia a escassez de quadros e perspectivas.”
Nome aos bois
Finalmente alguém dá nome aos bois, percebe a trajetória da boiada rumo ao precipício, repercute o toque no berrante de solitários condutores que antecipam o perigo e tentam conter o estouro.
Para Ruy Fabiano a sonhada assembleia seria “diferente de todas as que a precederam: exclusiva, sem partidos e se autodissolveria com a promulgação da Carta”.
Entenderam nada
Nada a ver, logo se percebe, com a pressa dos que propuseram em 2013 (e reincidiram!, depois) uma constituinte dita ‘exclusiva’ porque se voltaria ‘exclusivamente’ para sabe-se lá que reforma política.
Não passou de resposta canhestra às massivas manifestações de meados 2013, que renegaram indistintamente políticos, partidos, governo e parlamento – “Não nos representam!” era a voz das ruas.
Fim sem recomeço
“O pacto social da Nova República esgotou-se” – detecta o brilhante articulista, e com ele (acrescento) o presidencialismo de coalisão que Tancredo engendrou e Sarney conduziu na arriscada transição do autoritarismo para o estado de direito.
Tanto pior que ninguém, depois, haja formulado estratégias para o tempo seguinte, o da democracia consolidada.
Perempto e insepulto
Os subsequentes governos Collor, Fernando Henrique, Lula/Dilma empenharam-se em natimorta tentativa de atualizar o perempto capitalismo de estado que presidiu a economia brasileira desde Vargas, que também inventou seu irmão gêmeo, o populismo tupiniquim – outro cadáver insepulto. Em seu breve interregno Itamar até tentou, mas cedeu à prioridade de debelar o caos econômico-financeiro da hiperinflação.
Deixa assim
Há forte resistência à mudança. O ‘toma lá, dá cá’ de cargos e emendas no orçamento por apoio congressual ao Executivo em que se converteu o presidencialismo de coalizão serve à maioria dos parlamentares – afinal, tem-lhe garantido sobreviver.
E o conúbio dos cartórios empresariais com o poder, apadrinhado pelas corporações sindicais, igualmente satisfaz ao imediatismo de uns e outras.
Possível solução
Resta esperar que eventual conjunção de forças entre as parcelas mais lúcidas da sociedade e setores do Parlamento acuado, ante a ameaça de impasses institucionais, enseje a convocação de uma constituinte como a sugerida pelos dois juristas.
Por enquanto é apenas um sonho, haja vista o comportamento de expressiva maioria dos deputados e senadores, que só pensam em safar-se da Lava a Jato.
Sonho e invenção
Ainda assim, a encerrar o assunto, arrisco parodiar o poeta do Recife Carlos Penna Filho:
é dos sonhos dos homens que uma nação se reinventa.
Quando fevereiro chegou
“Quando fevereiro começou, lembrei a data: trinta anos de instalação da Assembleia Nacional Constituinte.”
Foi essa a única referência que encontrei na imprensa a uma data importante, 1° de fevereiro de 1987, em que se instalou o colegiado que escreveria a “Constituição cidadã” de Ulisses Guimarães.
Lembrou a efeméride o arguto jornalista Maranhão Viegas, que edita o Observatório Brasília.
Seleção errada
Dizem que o Brasil é nação sem memória. Pode ser pior: ter memória seletiva e errar na seleção.
Tudo bem que anualmente se comemore o 5 de outubro em que no ainda conturbado 1988 promulgou-se a sétima Constituição brasileira.
Mas está errado menosprezar o marco zero da mais longa permanência do estado de direito na história do Brasil, esquecer de que então foi nada fácil convocar a Assembleia.
Coisas do ar
A redemocratização, iniciada com eleição de Tancredo Neves em 15 de novembro de 1984, mal completara dois anos.
A economia empacava quando não desandava no galope da inflação.
Percebiam-se ‘coisas’ no ar “além dos aviões de carreira” (apud Aparício Torelli, o Barão de Itararé). A prevenir retrocesso, media-se diariamente a temperatura dos quartéis.
Foi preciso muita tenacidade de políticos que souberam pensar estrategicamente, firmar posições nos necessários enfrentamentos e chegada a hora conciliar, negociar e encontrar fórmulas para que o processo coroasse-se na Constituinte.
Erros e omissões
De volta às efemérides, e à insuficiente e deficiente memória nacional: costumamos esquecer datas importantes ou confundir-lhes o destaque, comprar gato por lebre.
Vibramos de orgulho a cada 7 de setembro e esquecemos que foi no 22 de abril de 1500 (hoje nem feriado é…) que começou o Brasil – afinal um bem sucedido amálgama de etnias e culturas.
Trauma e pudor
Nem me queixo se o dia da Descoberta não é feriado; quero só cultuar a história.
Feriados servem pouco à memória nacional: o 15 de novembro presta-se ao descanso ou lazer sem que ninguém se recorde, fora dos espaços castrenses, da proclamação da República.
(O que talvez se deva a insuspeitado pudor de festejar o movimento militar que derrubou o Império, dado o trauma dos golpes de 1964, 1965, 1968, 1977 – todos sob o autoritarismo dos generais.)
Falso batismo
Tem mais.
Da Conjuração Mineira só se lembra em Minas e sob o nome errado: ‘inconfidência’ sugere traição, coonesta a visão dos opressores que assim a registraram nos Autos da devassa.
Em Brasília sua comemoração é canibalizada pelo aniversário da capital, malgrado Juscelino a inaugurasse num 21 de abril justo para honrar a memória de Tiradentes.
Também só em Pernambuco comemoram-se as revoluções de 1817 e 1824 – ambas, como a mineira, coetâneas das revoluções Francesa e Estadunidense, na vertente do Iluminismo de Diderot, Voltaire e das formulações políticas de Locke, Montesquieu, Rousseau…
Seja o primeiro a comentar on "Marco Antônio Pontes | Constituintes, ontem e hoje. E a precária memória nacional"