Marco Antônio Pontes | Cultura brasileira e popular, sem manobras nem compadrio

 

 

 

 

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Civilização desconhecida

Volto, como prometi na edição anterior, aos muitos brasis que desconhecemos e constato: é típico dos moradores dos grandes centros, até de acadêmicos e demais intelectuais (inclusive jornalistas) o alheamento da cultura rica e multifacetada do interior.

Quase ninguém sabe, por exemplo, que em São Raimundo Nonato, município do sertão piauiense, desenvolve-se intenso trabalho em arqueologia, antropologia e ciências afins na pesquisa do extraordinário acervo de pinturas rupestres da região e outros vestígios de uma civilização pré-histórica, a mais antiga do Brasil e talvez da América.

Cá como lá

Se poucos conhecem as atividades da professora Niède Guidon e sua equipe, criadoras do campus universitário de São Raimundo e do Museu do Homem Americano naqueles rudes sertões, a maioria ignora até a cultura que floresce bem ao lado das grandes metrópoles.

É o caso da Zona da Mata de Minas Gerais, de que Ubá (cuja Academia de Letras foi aqui referida) é importante polo econômico e cultural, gerador de próspera indústria moveleira e, a seu lado, de instituições que promovem a arte.

Não por acaso lá nasceu Ary Barroso, um dos maiores compositores brasileiros, que mais de uma vez agradeceu à cidade sua formação musical.

Da Mata e da cultura

Acrescento informação por certo necessária aos ‘coleguinhas’ que têm saudade do Rio se vão além dos subúrbios da Central (como brincava Vinícius), ou paulistanos que se sentem estrangeiros antes de chegar a Campinas: a Zona da Mata de Minas sedia duas das melhores universidades brasileiras, as federais de Juiz de Fora e Viçosa, e nos demais municípios cultiva-se antiga tradição cultural.

E não só nas cidades médias – em Juiz de Fora, ‘metrópole’ regional e nas citadas Ubá, Viçosa, entre outras. Também as pequenas participam do concerto.

Festa literária

Por exemplo em minha pequena Rio Novo os Cavaleiros da Cultura promoveram na semana passada, como anualmente, uma concorrida festa literária com leitura e discussão da obra de Carlos Drummond de Andrade (tema do evento deste ano) e de escritores da região, audições de música popular e clássica, exposições de pintura, fotografia, feiras de artesanato regional, espetáculos teatrais…

Cultura ambulante

Os Cavaleiros da Cultura são instituição original. Seus membros são cavaleiros, mesmo, jovens (alguns nem tanto) que percorrem a cavalo as montanhas da Mantiqueira e ramificações locais, serras de saborosos nomes (Água Limpa, Pedra Bonita, Babilônia, Relógio, Ibitipoca) e os vales dos rios Novo, Pomba e seus afluentes, entre outros.

A inacreditável variedade vegetal da região, que guarda testemunhos de mata atlântica e ostenta múltiplos tons de verde, terá aguçado a sensibilidade dos atípicos cavaleiros, ou algum outro nobre motivo levou-os, em cada cavalgada, a conduzir em seus alforjes algo além da equipagem de tropeiros: livros, que oferecem aos moradores dos povoados e habitações isoladas que visitam.

Criaram, assim, dinâmicas bibliotecas ambulantes.

Testemunhos residuais

Cedo eles descobriram que seu percurso cultural tem ida e volta, a ensejar uma troca promissora.

Como fosse contraparte dos livros e informação que oferecem, recolhem das comunidades hoje dispersadas, quase residuais, histórias e manifestações artísticas que não raro surpreendem os citadinos. Resgatam traços de uma civilização em vias de extinção, forjada no saber e fazer do povo ‘da roça’.

Conversa de botequim

Até meados do século xx tanto os donos de terra quanto os ‘camaradas’ – curiosa denominação regional dos camponeses – moravam no campo; na maioria dos casos as famílias viviam isoladas em precárias cabanas de pau-a-pique e sapé em torno das ‘casas grandes’ – muitas das quais bem pequenas, aliás.

Frequentavam as cidades, vilas ou povoados mais próximos só nas tardes-noites de sábado, a trocar nas vendinhas e botecos suas escassas moedas pelo que não produziam, além do escambo de frutas, legumes, verduras, doces e outros produtos artesanais por tecidos, ferramentas, utensílios domésticos.

No processo encetavam-se longas conversas regadas por ‘branquinhas de alambique’ e estabelecia-se proveitoso intercâmbio cultural.

Parcerias mineiras

É esse rico universo – vale enfatizar: quase extinto – que os Cavaleiros da Cultura resgatam, exploram e revelam, inclusive em sua festa anual.

Neste agosto os participantes habituais, de Rio Novo e cidades vizinhas, contaram com parcerias de outras Minas e Gerais: grupos de Itabira (pois Cda é o tema da festa), da mais próxima Cataguases, de Belo Horizonte.

Tem mais

É pouco?, querem mais? Pois tem.

Citei a participação do pessoal de Cataguases e lembrei que é terra de Humberto Mauro, um fundador (lá mesmo!) do cinema brasileiro.

E que também lá, pertinho da minha Rio Novo, foi editada a Revista Verde, inovadora da literatura e demais artes no Brasil, integrante do Movimento Modernista e contemporânea daquela ‘Semana’ paulistana.

Portinari, Tiradentes… e Prestes

Mais um pouco daquela pérola da Zona da Mata: o tradicional Colégio Cataguases guarda uma das mais importantes obras de Portinari, um amplo painel cujo tema é a execução de Tiradentes. Curioso é que muitos veem no rosto do mártir da Revolução Mineira os traços de um correligionário do pintor, o líder comunista Luís Carlos Prestes.

Cansaço, tédio

‘Tá certo, eu sei… calma!, desconhecido e impaciente leitor, eu admito: deveria ocupar-me das ameaças que pairam sobre o Brasil, o mundo e sobretudo da miopia, quase cegueira da imprensa ante os meios e modos de conjurá-las.

Se prefiro tratar de brasis ignotos e suas realizadas promessas é porque me cansa, entedia a repetição de incertitudes na cena atual: medíocres manobras em causa própria sob a capa de ‘reforma política’ (provavelmente vai dar em nada; melhor assim), polêmicas suscitadas por ministro do Stf que não se acha próximo de notório investigado da Lava a Jato, embora tenha sido padrinho de casamento de sua filha – e alguém atribui ou aceita de pessoa distante condição tão íntima?

E ainda tem Trump: ah!, o Trump…

É simples

Vamos simplificar?, leitor: elejamos o inefável Donald Trump assim um paradigma invertido.

Quem eventualmente tiver dúvidas sobre alguma questão universal e importante – meio ambiente, aquecimento global, ameaças nucleares, economia e concerto internacional, racismo, migrantes, refugiados… –, nem precisa pensar muito, basta saber o que o presidente dos Eua pensa (?), diz, faz e adotar posição diametralmente oposta.

Não tem erro.

Efeito Trump

Com devidas ressalvas e cuidados – no Brasil até equívoco pode dar certo e acerto terminar em desastre – aplique o leitor aflito o ‘efeito Trump’, transponha às nossas mazelas a simplíssima equação: troque o sinal do que pretendem votar nossos parlamentares e terá razoável reformulação das normas que regem a política e as eleições.

Compadrio

Não se acanhe tampouco o preocupado leitor ante opiniões e votos daquele jurista barulhento, “supremo” como um dia se achou, o que abana e não é abanado.

Se nos intervalos de encontros ‘fora da agenda’ nas silentes noites do Jaburu ele manda soltar seu compadre (não é essa a condição do pai da afilhada?) e o sócio do cunhado, discute e influi na política, envolve-se em controvérsias com linguajar de botequim, nem titubeie:

faça o mesmo, renegue tudo o que ele apoia e vice-versa.

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