Marco Antônio Pontes | …E foi (re)proclamada a escravidão

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Estratégia errada…

Sucessivos e graves erros táticos, derivados de estratégias canhestras e-ou equivocadamente implementadas, acrescem instabilidade ao governo justo enquanto a Câmara decide (outra vez!) da permanência ou não do presidente.

E tudo parecia conspirar a seu favor: a economia recupera-se, mesmo lentamente e os adversários internos (os mais perigosos) de Temer imobilizam-se na balbúrdia geral dos partidos e líderes ‘aliados’.

Afora a incapacidade da oposição em compor discurso eficaz, porque mais preocupada em extrair o máximo do prestígio cadente de Lula, enquanto é tempo.

…e condução caótica

Os estrategistas do presidente patinam em idiossincrasias e falsas impressões que conduzem seu projeto ao caos.

Mais grave que a submissão covarde a ‘aliados’ de comprovada deslealdade é a provocação (ou aceitação, vá a dúvida) de confronto com aliado que, objetivamente, foi decisivo na rejeição da denúncia anterior. Nisso há unanimidade entre os analistas da imprensa: o que Michel Temer menos precisa agora é indispor-se com Rodrigo Maia, não às vésperas do definitivo entrevero da próxima semana.

Borzeguins, peneira, soneto…

E não me venham de borzeguins ao leito nem queiram tapar o sol com peneira – permitam-me as antiquadas figuras de linguagem, quiçá oportunas: não dá pra acreditar em destempero espontâneo do advogado-substituto que atribuiu à Câmara os vazamentos que chamou ‘criminosos’, os da delação do tal Funaro. Muito menos em sua autonomia na redação de desculpas, das ditas ‘esfarrapadas’, para explicar a incontinência sem reconhecer o erro.

A emenda foi pior que o soneto, se posso utilizar outro velho aforismo.

…e não foi cômico; só trágico

Já basta?, leitor, de estratégia equivocada e erros crassos nos movimentos táticos? Pois houve mais: a reemendar o soneto Michel endereçou aos deputados, a todos eles e sem passar pela intermediação natural do ainda formalmente aliado Rodrigo, uma carta em que reitera as acusações de aleivosias, conspiração e golpe.

Parece-lhe familiar?, leitor, até nas palavras a tentativa de inverter situações de causa e efeito – como as que resultaram na desmoralização de Lula e impeachment de Dilma? Pois não é mera coincidência, foi assim que tudo começou.

Vá, pois, novo apelo à frase feita: seria cômico, se não fosse trágico.

Mato sem cachorro

O presidente Temer anda mesmo no mato sem cachorro, conforme outro dito popular. Sai à caça de conspirações sem farejadores à altura – ou, quem sabe?, nem houvesse o que farejar e caçar – e passa à opinião pública a impressão de que procura inimigos fictícios para ocultar fracassos reais e, afinal, só pensa e age para livrar-se das denúncias.

Mexida desastrada

Foi assim que recentemente resolveu mexer com quem estava quieto (esta é a coluna das frases feitas…) e retirou o status de ‘reserva’ a uma região da Amazônia; nem era reserva ambiental, mas ficou a impressão (só impressão?) de que entregava a floresta à sanha de motosserras e escavadeiras.

Ante a repercussão negativa atenuou o decreto, não bastou e teve finalmente de revogá-lo, acrescentando desgaste à já desgastada imagem.

Lei Áurea revogada

Não parou por aí. Ainda agora uma simples portaria de seu ministro do Trabalho revoga a Lei Áurea, ou pelo menos a legislação sob a qual se investigam e punem os remanescentes de escravidão no Brasil.

Será, por certo, outra estultice a ser revertida diante das reações imediatas e fulminantes, vindas de agentes e setores tão díspares como procuradores e juízes trabalhistas, Onu, Oit, outras entidades internacionais e até de escalões intermediários do próprio Ministério do Trabalho.

Proclamação da escravatura

Se este é o governo da piada pronta, aplica-se-lhe bem a irreverência politicamente incorretíssima de Sérgio Porto no Samba do crioulo doido:

“…E foi proclamada a escravidão!…”

Método na loucura

Não me atribua o leitor a ingênua crença em que o governo errou por incompetência ou loucura. Sei muito bem que há método na loucura e no caso incompetência nenhuma, só estratégia eticamente condenável: em ambas situações quis-se cooptar segmentos empresariais, seus ‘cartórios’ e as atuantes bancadas que controlam no Congresso, mais poderosas que quaisquer partidos.

E o agrado é parte do ‘toma lá, dá cá’ para impedir a destituição do presidente.

Liberou geral

A recente ‘liberação da escravatura’ visa proteger empresários (na maioria rurais) renitentes em proporcionar ambiente minimamente humano a seus empregados, não raro submetidos a condições análogas à escravidão.

Os parlamentares interessados no agronegócio ou por ele eleitos não costumam separar joio do trigo, defendem indistintamente os que respeitam a lei e novos donos de escravos.

 ‘Boi, bala, bíblia’

Organizam-se, esses representantes dos ‘cartórios ruralistas’, em coeso grupo de pressão e não estão sós, associam-se a outros estratos anacrônicos para conformar a chamada ‘bancada bbb’: ‘do boi, da bala e da Bíblia’.

Estranho que pareça, piedosos católicos fundamentalistas e neopentecostais idem aceitam unir-se a policiais truculentos, a conexos adeptos do agravamento da legislação penal, da liberação das armas de fogo e, todos juntos, aliar-se aos mais retrógrados ‘ruralistas’.

O resultado é um agrupamento obscurantista que perfaz cerca de um terço do Congresso, votar unido no que lhe interessa, aprova quase tudo o que quer e tem enorme poder de veto.

Matreirice menor

As manobras do Planalto para atrair esses grupos exibem o dna da velha matreirice peemedebista da qual Michel Temer é herdeiro menor, porém eficiente no atual contexto.

No caótico Congresso em que aliados vendem cada vez mais caro o apoio, pareceu uma boa ideia atrair a ‘turma do boi’ – e os outros dois ‘b’ – com o relaxamento do combate ao neoescravismo. Ante a previsível reação, promete-se rever a tal portaria mediante ampla discussão. Que afinal reverterá o absurdo – e então o presidente já terá conjurado a ameaça.

Encontro granberyense

Como anualmente, os ex-alunos do Instituto Granbery residentes no Distrito Federal e Goiás encontramo-nos no primeiro sábado de outubro para comemorar mais um aniversário (128 anos!) do tradicional colégio de Juiz de Fora.

Dessa vez o encontro foi temático: homenageamos o fundador da Seção de Brasília da Associação Nacional Granberyense, o almirante Roberto Paulo Timponi e o elegemos nosso Presidente de Honra.

Liberdade, tolerância,…

A este velho escriba, que hoje representa a Associação em Brasília, foi incumbido o elogio do homenageado, que como poucos personifica os ideais de retidão de caráter, liberdade, tolerância e convivência na diversidade que aprendemos no velho colégio.

São conceitos e posicionamentos a conformar o que denominamos “espírito granberyense”, um ideário democrático que nos cabe propagar sobretudo pelo exemplo.

…respeito à diferença

Tal ideário anda meio esquecido no Brasil de hoje, assim pareceu-me oportuno dividir com os leitores um pequeno trecho do que escrevi em homenagem a Timponi:

“A tolerância é pedra de toque […] da convivência democrática. No entanto […] pretensos seguidores deste ideal tentam desertá-lo da admissão da diferença, da convivência harmônica entre contrários. […] Prega-se o unilateralismo, o maniqueísmo que opõe supostos ‘certo’ e ‘errado’, num perverso ‘nós-contra-eles’ que substitui o diálogo pelo monólogo, o cérebro pelo fígado e usa seus piores humores para orientar a ação política.”

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