Marco Antônio Pontes | Falta imaginação e sobram preconceitos

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Alternativa melhor

O governo percebe-se em déficit maior que os R$ 130 bilhões (!) já admitidos em 2017 – 50% a mais. Quase não tendo o que cortar, terá que aumentar impostos ou ‘reduzir-lhes as reduções’ (coisas de nossa surreal estrutura tributária).

Haveria alternativa mais palatável, se não para o tal mercado de que é refém (como os antecessores), certamente para a sociedade; dela poderia merecer algum alento, no mínimo menor rejeição.

Falta imaginação

A usar imaginação além de destreza técnica, a equipe de Meireles poderia reformular os critérios por que se cobra o Imposto de Renda.

O modelo atual estabelece um patamar de isenção e a partir dele as alíquotas progridem a até 27,5%.

Os valores, diga-se, estão defasados em mais de 80%, o que sorrateiramente impõe um iníquo, clandestino aumento do imposto e exacerba-lhe o vezo regressivo, desde sempre a penalizar os mais pobres.

Alternativa simples

Pois seria fácil e rápido tornar o Ir progressivo, socialmente mais justo – bastaria uma portaria da Receita – e providenciar recursos com que reverter a sangria do Tesouro.

Os contribuintes seriam escalonados em mais patamares, de forma a melhor contemplar as diferenças de renda, reduzir o peso do tributo sobre as faixas mais baixas e, claro, cobrar mais de quem ganha mais.

Ele sabe

Se ao governo faltar imaginação, convoque-se Everardo Maciel.

Malgrado se manifestasse, em outro contexto, contra estratégias tributárias para redistribuir renda – fê-lo em diálogo com este colunista, não me consta que o haja dito publicamente –, imagino que na atual conjuntura reformulará a opinião.

E eu sei, sabem também Temer e Meireles, que Maciel sabe o quê e como fazer.

Triste espetáculo

Gilmar Mendes e Rodrigo Janot estão às turras, agridem-se indiretamente pela imprensa e em pronunciamentos oficiais como quem discute num botequim pé-sujo.

É deprimente ato da ópera bufa infelizmente habitual nas lides congressuais e outras disputas políticas, mas só recentemente encontrável na cúpula da Justiça.

Controvérsias

O ministro Gilmar faz tempo envolve-se (ou é envolvido) em controvérsias.

Indicado por Fernando Henrique, foi dito ‘líder do governo no Stf’, jocosa denúncia de suposta opção partidária.

É fundador, sócio e dirigente de entidade privada que, consta, presta serviços remunerados ao estado.

Nos albores do ‘mensalão’ teria sido chantageado por Lula, que lhe exigiria deter os processos sob pena de revelar-lhe relações promíscuas com empresas que lhe haveriam custeado despesas na Europa.

Mendes foi severo no julgamento dos ‘mensaleiros’, não cedeu à alegada chantagem porém não a denunciou.

Constrangimento

Há coisa de duas semanas a bem informada colunista Denise Rothenburg (Brasília-Df, Correio Braziliense) especulou de possível candidatura de Gilmar a eventual substituição do presidente da República, via eleição pelo Congresso, caso a chapa Dilma–Temer seja cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

É só especulação, mas haverá de constranger o atual presidente do Tse, ademais também membro do Stf em que o processo, se prosseguir, terminará.

Ganhou mas não leva

Janot marcou pontos na semana passada, quando foi ao Congresso sugerir alternativas ao projeto de lei que pune abusos de autoridade, sonho de consumo dos parlamentares na mira da Justiça.

Não que muitos congressistas hajam-se entusiasmado, mas as propostas fazem sentido para quem acha que o projeto (de Renan Calheiros…) visa mesmo é a operação Lava a Jato.

Chega, por ora

Enquanto isso seis dos sete membros do Tribunal de Contas fluminense estão presos, o presidente da Assembleia depôs sob coerção, o relator do Tse ameaça condenar Dilma e Temer… e a demonstrar que dirigentes desastrados há em toda parte, Donald Trump destrói décadas de esforços ecológicos ao liberar a poluição do carvão e do petróleo. Deixo pra depois esse noticiário.

Prefiro abrir espaço aos leitores, como prometi semana passada; eles são confiáveis, ao contrário de Trump, dos dirigentes e marqueteiros de 2014, do tal Piciani, daqueles conselheiros do Tce-Rj…

Incorreção musical

É bom conversar com Renato Vivacqua, persistente leitor porém bissexto colaborador:

– Fraterno amigo, […] espero reflexão sua sobre a paranoica reação de blocos cariocas a marchinhas que consideram politicamente incorretas.

Não me faço de rogado, ainda mais se me provoca o brilhante historiador da música popular e cultura brasileira.

Preconceito explícito

Refere-se Vivacqua à reação de defensores dos direitos de minorias (etnias discriminadas, comunidades lgtb e outras vítimas), que condenam velhas canções cujas letras ignoram o que hoje se considera certo.

O melhor exemplo, entre os alvos desses críticos, é O teu cabelo não nega, belíssima marcha assinada por Lamartine Babo e João de Barro, consagrados compositores da mpb.

Preconceito camuflado

Ao olhar atual a crítica parece justa e a canção, racista: “…como a cor não pega,/mulata, eu quero o teu amor…”. Errado é avaliar versos de mais que meio século por parâmetros de hoje.

Naquele tempo o preconceito racial subjazia à cultura brasileira, ninguém o questionava, a sociedade o escondia ou suavizava sob a capa de suposta convivência harmônica entre a elite branca e seus ex-escravos, libertados (e abandonados) poucas décadas antes.

Preconceito derrotado

Um equívoco análogo denuncia preconceito em outras marchas de carnaval – essas a falar de gays e lésbicas: “Olha a cabeleira do Zezé,/será que ele é…”, “Maria Sapatão […],/de dia é Maria, de noite é João…”

Parecem-me, tais canções, apenas brincadeiras com condições e-ou preferências de sexo ou gênero só recentemente admitidas pela ‘normalidade’ vigente.

E, testemunho de seu tempo, terão contribuído para vulgarizar comportamentos antes execrados e pelo hábito fazê-los, ao menos, palatáveis – um avanço contra a discriminação.

Encapetados

O abrangente raciocínio de Renato Vivacqua vai além, sugere ameaças mais graves:

– Percebo um avanço da direita mais nefasta […] e todo mundo apático. Logo deixaremos de ser laicos. Evangélicos (há exceções), evocando o diabo, logo convencerão nosso parvo povo e tomarão as rédeas do país.

Renato refere-se a um encontro de políticos “que culpavam o demo de suas agruras” e conclui, irônico:

– Quer dizer, estamos todos encapetados e, o pior, sem saber.

Mulheres e ‘machinhos’

Valéria de Velasco gostou de meus comentários sobre a “gafe machista” de Temer, compara-a às de Trump (“aquela anta”) e acrescenta:

Não era para ninguém se espantar, exceto pela falta [a Temer] de uma assessoria competente que o alertasse […].

Noutra concordância que me envaidece, afirma que “nessa luta contra o preconceito e o machismo não se trata de ‘nós contra eles’, Pt versus adversários, esquerda e direita” e completa:

– As mulheres que lutam por mudanças devem ficar atentas ao que elas próprias produzem em casa, na criação de seus ‘machinhos’.

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