Marco Antônio Pontes | Lula tem juízo

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]

 

Barbas de molho

Se Lula tiver juízo, colocará as ralas barbas de molho e reverterá o discurso radical a que se entregou nos últimos meses.

É claro que não o fará de repente nem o Pt abrirá mão das palavras de ordem incendiárias, necessárias à mobilização da militância embusca de votos no próximo outubro – votos para manter razoáveis bancadas no Congresso e legislativos das unidades federadas, com sorte alguns governos estaduais…e só.

Todos sabiam – Lula à frente – que a derrota do Trf-4 seria acachapante e frustraria até o sonho, sob um ‘plano b’, de candidato alternativo que fizesse boa figura, talvez a disputar o segundo turno.

Rasgando dinheiro

Lula terá juízo. Deixará o radicalismo a cargo de figuras menores, como as que temcolocado na presidência doPt: antes o inexpressivoRui Falcão, agora a trêfega senadora língua-solta.

Esses, sim, parecem loucos dequeimar dinheiro – literalmente, na época das vacas gordas em que faziam jorrar verbas sobre as entidades sindicais que lhes davam apoio, e metaforicamente ao escorregar na incontinência verbal e incinerar algo mais precioso que papel-moeda, a respeitabilidade de líderespartidários, mesmo ‘laranjas’;foi assim que a atual presidente do Pt ameaçou-nos com guerra e mortes caso fosse condenado o chefe de fato.

Papagaios de pirata

O Lula restaurado e ajuizado tem-se revelado em movimentos interessantes, após interregno de desvario sob pressões da opinião pública e da Justiça – houve um paroxismo de descontrolenaquele comportamento errático, inseguro,a ensaiar a velha arrogância que resultou patética no depoimento ao juiz Moro.

Tenho observado, por exemplo,a primeira fila dos ‘papagaios de pirata’ atrás do ex-presidente quando discursa à militância.Nos tempos de glória estavam ali os grandes nomes do Pt –Dirceu, Genoíno, Palocci… – agora o segundo plano povoa-se de figuras vagamente conhecidas oudirigentessubalternos: Miguel Rosseto, Fernando Pimentel,um constrangido Celso Amorim…

(Dilma, eterna suplente, poupa-se esse vexame e quando aparece está ao lado de Lula; e passa a impressão de‘cumprir tabela’,contrafeita.)

Mais ajuizados

Não há de ser por acaso que velhos e novos próceres como Tarso Genro, Patrus Ananias, Jaques Wagner, Fernando Haddad, raros ‘fichas-limpas’ entre os principais líderes – os dois últimos possíveis candidatos ‘plano b’ –, tenham-se igualmente preservado. Nem que o governador da Bahia, ‘cria’ de Wagner,não acompanhasse os raros colegas petistas nas recentes encenações de levante contra as instituições.

Comedimento, sensatez

Se puder arriscar uma aposta, direi que o repaginado Lula que paradoxalmente emerge de sua maior derrota – a confirmação e agravamento da sentença juiz Moro, agora definitiva no conteúdo – daqui pra frente mostrará comedimento nas altercações com a Justiça.

Não é de seu feitio entregar-se ao desespero, como ameaçou ante o susto de descobrir-se (sempre há uma primeira vez…) um cidadão como os outros, vulnerável ante a Justiça que pune quem desrespeita a lei. Recuperará a sensatez e o fará com o proverbial timing político que sempre exibiu.

Agora é sério

Manterápro forma, via‘tropa de choque’, o discurso radical porque não restaalternativa; até estimulará confrontos aos acólitos mais desavisados, porém moderará a própria linguagem.Estará preocupado é com a marcha dos processos judiciais que o ameaçam.

Afora a consumada condenação que poderá leva-lo à prisão em coisa de dois meses e a iminente inelegibilidade, com a qual já contava, tem de haver-se com mais seis processos em que é réu, na fila que andanasvarasfederaisde Curitiba e Brasília e poderáresultar em mais de cem anos de prisão.

Autovitimização

Minha apostarespalda-se em décadas de observação crítica da evolução do Pt.

Há cerca de meio século este então jovem jornalistaparticipava esperançosodas concertações político-ideológicos de que resultaria o Partido dos Trabalhadorese desdeentão acompanha, crescentemente desiludido,a longa trajetória do mais bem-sucedido líder populista brasileiro desde Vargas.

Assimavaliei-lhe o comportamento em anteriores percalços e percebi que seu modo preferido de superá-los é a autovitimização.Deu certo quando o líder metalúrgico aguerrido foi de fato vítima de perseguições da ditatura e também quando o poderoso presidente foi apanhado no mensalão e declarou-se “apunhalado pelas costas”, abandonou os companheiros diretamente responsáveis pelos crimes e saiu ileso.

Agressividade, mentiras

Não seria diferente a estratégia de enfrentamento das ameaçasatuais, deflagradaquando se apertouo cerco da Lava a Jato.

No primeiro embate mais duro ele até titubeou, mas logo reagiu e retomou os movimentos táticos conhecidos, nos quais a vitimização acompanha-se de intenso uso da mídia (tradicional e redes sociais) em declarações crescentemente agressivas nas quais exclui fatos que não lhe interessam e inventa outros, se acha necessário – o escasso compromisso com a verdade é outra marca do jeito Lula de fazer política.

Constrangimento e covardia

Tem-se saído tão bem quenum dado momento tive dúvidas.Logo após ainfrutíferaprovocação a Sérgio Moro ele conseguiu uma espetacular ‘volta por cima’,surfando as ondasdas reações de aliados e opositorescontra a Lava a Jato.

Aparentemente acovardadosantea reedição do velho apodo “imprensa golpista”, os veículos de comunicação abriram espaçoa analistas políticos ‘engajados’, quetiveram raia livre para reverberar-lhe as queixas; obteve até apoio de colunistas ultraconservadores, enquanto quase todos os demais silenciavam ou amenizavam a crítica.

Cheguei a conjeturarse tal processo nãoreverteria a seu favor a opinião pública,a constranger eimobilizar além da mídia osjuízes, procuradores, policiais.

Ponto de inflexão

Entretanto constatei, como na edição anterior desta coluna, que as instituições funcionam. Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário recusaram o confronto político, rebateram ou simplesmente ignoraram as tentativas de intimidação.

Assim atingiu-se, quarta-feira passada, um ponto de inflexão do processo saneador da política brasileira. A sentença do juiz Sérgio Moro, contestada por rábulas de fancaria enquistados nos veículos de comunicação e por jurisconsultos interessados – afora os legítimos defensores do réu –, foi confirmada unanimemente pelos desembargadores federais da oitava turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, sediada em Porto Alegre.

Anticlímax

Conforme antevi –profecianenhuma; apenas disse que o sol iria nascer, como a cadamanhã – os juízes do Trf-4 foram impecavelmente técnicos, sem concessões nem apelos, segundo avaliações dos juristas de verdade.

Também imaginei que à decisão, contestada só pelos ‘companheiros’, sobreviria um anticlímax e os esperados conflitos potencialmente sangrentos não ocorreriam, inclusive porque minguaram os recursos com que as tropas de choque corporativas mobilizavam os militantes.

Acertei, de novo: foram pífias as manifestações pro Lula e-ou contra a decisão judicial, nada parecidas com as que no passado tingiam as ruas com o vermelho das camisetas e bandeiras.

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