Marco Antônio Pontes | Nonadas. Não e não. E ainda não

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Nonadas

Tomo de empréstimo a primeira palavra de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, para iniciar esta coluna em que tento caprichar na negação: como todo mundo este provecto escriba também não ousa afirmar coisa alguma, portanto, que tal encontrar o que negar?

Os verbetes dos dicionários costumam registrar a evolução do vocábulo ‘nonadas’ para significar ‘ninharia’, ‘coisa de pouca monta’, ‘bobagem’.

Mas quem viveu ou, atento, percorreu as Gerais – que são muitas e variadas no tempo e no espaço, assim como a outra “Minas é muitas”, segundo o próprio Rosa – prefere resgatar sentido mais antigo e restrito: ‘nonadas’ quer dizer ‘nove vezes nada’, alternativamente ‘nove vezes não’.

Foram não

Não resisto à tentação de brindar os leitores com a frase completa de Riobaldo ‘Tatarana’, que compõe com Diadorim o duo central da epopeia sertaneja (cito como me acode a memória):

“Nonadas. Tiros que o senhor ouviu foram briga de homem, não. Alvejei mira em árvore.”

Verão: tem tudo a ver com as negativas que se seguem. Ou não?

Sem poder afirmar,…

É que está difícil, leitor, ser afirmativo quanto ao hoje, quanto mais entrever cenários futuros na política brasileira.

As análises encontradas na imprensa já nem o tentam, antes pontuam-se de expressões reveladoras de indefinição, insegurança, até perplexidade: ‘talvez’, ‘parece’, ‘provavelmente’, ‘teria sido’, ‘quem sabe?’…

Mas talvez (eu também…), invertendo o sinal, a gente possa arriscar algumas negações, digamos, peremptórias. Tente comigo, leitor.

…resta negar

O presidente Temer não mandou a Agência Brasileira de Informação ‘monitorar’ o ministro Edson Fachin. Isso sequer foi cogitado, a sério. Mas tampouco a revista Veja inventou do nada reportagem que incendiou o ambiente político no último fim de semana.

O que parece (de novo!…) é que o ‘vazamento’ do que não houve nem iria haver atingiu seus propósitos: constrangeu o ministro, permitiu que os acuados ocupantes do Planalto retomassem alguma iniciativa.

Foi tão impactante que a habitualmente comedida, serena presidente do STF reagiu com uma nota duríssima, a ignorar os reiterados desmentidos da Presidência da República e do próprio Michel Temer.

Mais negativas

O PSDB jamais cogitou abandonar o governo. O que faz, sub-repticiamente, é pressionar por ajuda do PMDB e outros aliados aos tucanos ameaçados pela Lava a Jato, além de mirar as eleições do ano próximo ano – a manutenção da aliança poderá ser decisiva.

Por sua vez Temer e seu partido não brigam pelo apoio que sabem, na circunstância, inevitável; negociam apenas o custo deste apoio.

Não, ainda

A maioria dos parlamentares não quer extinguir o foro privilegiado. Os senadores correram a aprovar aquela emenda constitucional só porque o Supremo Tribunal Federal parece inclinado a mitigar o instituto – esperavam inibir o processo e contavam (contam), em tal caso, com alongados procedimentos e debates na Câmara, para adiar o fim do privilégio. Enquanto isso, quem sabe? conseguem safar-se?

O crescimento…

A economia brasileira não está prestes a ingressar em novo surto de crescimento, muito menos a vigente contenção de gastos e as reformas em discussão, se e quando aprovadas, haverão de ensejá-lo.

Só ocorreu que a recessão bateu no fundo do poço e assim a própria inércia do movimento provoca a reversão (inércia e movimento não se contradizem, desavisado leitor; a física respalda a analogia).

Mas a recuperação tem fraco impulso, será lenta, gradual e insegura sobretudo no que tange ao emprego, afinal o que mais interessa.

…ainda é incerto

Há muitas incógnitas na evolução econômica, não há retomada sustentável à vista nem sequer expectativa disso.

Além do nó previdenciário e da obsoleta legislação do trabalho a economia padece de males sequer tangenciados nos debates em curso: deformaram-se os moldes de financiar o investimento, a infraestrutura é insuficiente, inadequada e não há perspectivas de reversão do quadro a curto ou médio prazo, são equivocadas as estratégias de mobilidade urbana, emerge um insuspeitado caos fundiário mais urbano que rural, políticas tímidas e-ou distorcidas de segurança, educação, saúde desservem a atividade produtiva… tudo isso e muito mais a frear o crescimento.

É nada disso,…

As reações à chamada ‘reforma trabalhista’ não partem da maioria dos trabalhadores, que alegadamente se apegaria à proteção da Clt, muito menos de seus representantes no Congresso.

São as corporações sindicais que reagem e elas não estão preocupadas com normas mais flexíveis para contratações, limites de horas trabalhadas etc.

Não querem é perder a mamata do imposto sindical.

…outra vez

Até nas mudanças da Previdência Social, tema em que este velho colunista tem muitas dúvidas e pouquíssimas certezas, dá pra arriscar uma negativa, digamos, radical:

não dá mais pra insistir no atual modelo, formulado há coisa de 80 anos sob condições obviamente muito diversas das atuais e inviável já neste momento, quanto mais no futuro.

Não, não há

Ainda sobre nossa imprevidência na Previdência: não há soluções mágicas no horizonte, como eliminar a corrupção e arrecadar as receitas sonegadas.

Reduzir as falcatruas é tarefa hercúlea, demorada; e quase toda a inadimplência refere-se a devedores que faliram ou desapareceram ou não são localizáveis ou àqueles que lutarão até a última chicana para não pagar ou protelar o pagamento.

E mesmo se fosse factível, o fim da corrupção e a cobrança das dívidas não salvariam o sistema, apenas adiariam o colapso por um ano ou dois, se tanto.

Não há maioria

Valem para as questões previdenciárias negativas análogas às interpostas à reforma das leis trabalhistas: não é a maioria dos segurados que tem medo da mudança; de resto essa maioria não tem voz, é uma das tais ‘silenciosas’.

Retardar o inevitável convém só a pequenos grupos de sindicalistas ‘apelegados’ cujos interesses há muito se distanciam das necessidades das categorias que deveriam representar.

É daí que vêm o barulho e a real oposição à reforma, os demais que reclamam são massa de manobra.

Perguntas retóricas; ou não?

O jornalista Geraldo Melo, aliás Géraux, ensaia interpretações alternativas da recente atuação da Procuradoria Geral da República.

Não parece discrepar do que aqui já se disse, ao usar muitos pontos de interrogação, mas suas perguntas parecem retóricas (ou não?):

– Será que Janot quer mostrar-se independente, pegando o Pmdb (o presidente da República!) e tucanos para depois ir atrás do Lula, sem reclamações de perseguição aos petistas? […]

            – Seria armadilha para o Lula e pressão sobre Palocci e Mantega, os homens do cofre no exterior, […] que se delatarem poderão ficar livres como os Batista?

            – Sei não…

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