Marco Antônio Pontes | O mundo acabou, os zumbis resistem mas… quem sabe?…

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Zumbis entre escombros

O mundo acabou mas ninguém percebeu; entre mortos e feridos salvaram-se todos. Resta agora a improvável tarefa de convencer os zumbis a entrar na tumba, enquanto se recolhem os restos aproveitáveis dos escombros para sobre eles (com eles) construir algo novo, capaz de abrigar e conformar outra humanidade.

O fim do mundo…

É claro que a metáfora refere-se ao particular planeta habitado pelos políticos brasileiros.

Como esperado, a ‘delação do fim do mundo’ desabou com a força de mil tempestades, ensurdecedores trovões e raios que ofuscam antes de iluminar.

Tais foram o som e imagem dos dirigentes da Odebrecht a relatar com extrema naturalidade, até uma certa candura (!), como assaltaram o erário, com desenvolta e grata participação de parlamentares e dirigentes governamentais: doações eleitorais a lavar dinheiro de sonegação e-ou superfaturamento, caixa-2, licitações viciadas, propinas trocadas por medidas provisórias, leis e outros atos de executivos do estado, de representantes do povo…

…ao vivo e em cores

Tudo isso fora intuído há muito e confirma-se nos noticiários. Mas é diferente assistir a vídeos em que empresários contam em detalhes como se violaram as leis e burlaram-se os controles. Tudo com o conformismo, até serenidade com que se aceita o inevitável (?).

“Toda relação de empresário com político gera expectativas” – resumiu o principal doador de verbas eleitorais e propinas, agora colaborador-mor da Lava a Jato, a explicitar como e porque as empreiteiras ‘doaram’ tanto a tantos políticos e partidos.

Ao lixão

Este mundo, entretanto, não se dá conta de que acabou. Mortos-vivos seguem por aí, a fazer de conta de que a vida continua – e no faz-de-conta continua mesmo, pois os encarregados da limpeza e rearrumação, assoberbados de investigações, denúncias, julgamentos, mandados, arguições, agravos e mil outros recursos, alongam-se na tarefa.

Cedo ou tarde, porém – por certo tarde, mas inexoravelmente – serão sepultados em seu lugar: o lixão da história.

Tragédia e farsa

Relevem o lugar-comum. De tão repetidas, as tragédias brasileiras viram farsa. Uma única e grande farsa que se perpetua e reproduz injustiça, enquanto reedita a cara-de-pau com que se engana, mente e quando já não há como esconder a fraude ainda se tenta mentir e enganar.

E eis outra frase que ingressa na categoria dos provérbios, tanto e tão bem a disse Elis na bela canção: “…o novo sempre vem” (in Como nossos pais, Belchior, meados dos anos 1970).

O novo, talvez

Em meio à tromba d’água que lava a jatos a sujeira, nalgum canto à salvo dos ventos uivantes (hoje rendo-me ao lugar-comum…) alguém propõe boas ideias.

Convém variar do debate monocórdio da previdência – tornou-se uma ‘pelada’ de muito chute nas canelas, algumas firulas, caóticos planos de jogo, nenhuma objetividade e péssimo trato à bola – e dar uma espiada na proposta de reforma trabalhista em discussão no Congresso.

Há nela, talvez, espaço onde procurar “o novo…”, ensejar que venha e venha rápido.

Ideias, afinal

Pois na tentativa de rever a vetusta Consolidação das Leis do Trabalho – que já deu o que tinha a dar – há inovações promissoras no relatório do deputado potiguar Rogério Marinho, como atribuir papel mais relevante às negociações entre patrões e empregados.

Melhor: o projeto quer remover uma excrescência, o tal ‘imposto sindical’ – ainda que, num primeiro passo, apenas queira torná-lo facultativo.

Alternativa ao desastre

É um alento, leitor. Quem sabe o Congresso reúna massa crítica capaz de encontrar, em projetos como o citado, alternativas às intenções dos atuais líderes, que ante o fim de seu mundo só pensam ‘naquilo’: ganhar tempo, proteção, adiar o ajuste de contas. E surjam novos líderes que enfrentem os carcomidos ainda no comando e assumam os debates que de fato interessam à sociedade, como o provocado pela ofensiva conservadora na educação sob o lema “Escola sem partido”.

Um começo de conversa poderia ser o editorial (surpreso?, leitor, eu também) da Folha de S. Paulo em 12.04, sob o título “Sem maniqueísmo”.

Despropósito

De editoriais costuma-se dizer em redações que só os leem donos de jornais, a conferir se editorialistas traduzem fielmente seus, digamos, pensamentos. Mas às vezes surpreendem.

Nesse editorial a Fsp analisa apropriadamente as questões que os adeptos da ‘escola sem partido’ recusam, talvez por não terem respostas nem propostas além da pura e simples recusa da política, em si mesma.

Retirar a política da escola é um despropósito e uma impossibilidade, simplesmente porque educar é também um ato político.

Fraude da cidadania

O que não deve estar na escola é proselitismo político. E para preveni-lo, ou obstá-lo onde se instale há que elevar a qualidade do ensino, via melhor preparo dos professores, como propõe o editorialista da Folha.

A par de adequada formação nas respectivas carreiras, os mestres precisam aperfeiçoar-se nas chamadas ‘disciplinas transversais’, nas ciências sociais aplicadas à educação.

Assim compreenderão que o unilateralismo frauda a educação e desserve a cidadania, além de pouco ajudar a causa dos que assim agem.

Complexo… e necessário

Este velho jornalista tem antigas interfaces com a educação e não pretende desmerecê-las em simplificações da complexidade do processo educativo.

Nele, praticamente qualquer disciplina admite abordagens múltiplas e vulneráveis a viés político-ideológico. Cabe ao professor, nesses casos, expor objetivamente as diversas interpretações possíveis e só emitir opiniões próprias quando solicitado, e se forem indispensáveis ao processo pedagógico. Isso não é fácil.

Política,…

Como qualquer cidadão, o professor faz escolhas políticas e é impossível exigir que as deixe fora da escola.

Quase tão difícil é excluir opiniões das explanações e debates em quase todos os conteúdos curriculares – isto não é uma precondição, porém objetivo a perseguir-se.

…política e…

Para alcançá-lo o melhor a fazer é justo o oposto do pregam os portadores do dístico ‘escola sem partido’.

É preciso intensificar a discussão política no ambiente escolar e fazê-lo em termos elevados, sem partidarismos, ‘fulanizações’ e esperar que do livre choque de ideias fique claro que o proselitismo, além de iníquo, é inócuo.

…mais política

A propósito: banir a política da escola é uma atitude política; das mais retrógradas.

 

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