Marco Antônio Pontes | Rei morto, rei posto – ou Temer reagirá?

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Perplexidade

Brasília, 19 horas e trinta minutos de quarta-feira, 17 de maio de 2017: a notícia caiu como um raio na imprensa, atingindo-a tanto ou mais que os políticos – direta ou indiretamente feridos. Repórteres, apresentadores, analistas, seus convidados em programas de tv, nos sítios da internet, todos estávamos perplexos.

Perplexos ante suposto endosso do presidente da República à compra do silêncio de Eduardo Cunha pelo empresário Joesley (será assim que se escreve?) Batista, do Grupo Jbs/Friboi – justo um dos ‘campeões nacionais’, como o queria Lula e quase todos aplaudimos.

Faltaram palavras

Não estavam atônitos só por isso, os analistas da imprensa. Pareciam preocupados em encontrar palavras com que descrever a crise provocada pela colaboração premiada do tal campeão. ‘Delação do fim do mundo’ não valia mais, já servira à da Odebrecht. ‘Cataclismo’, ‘terremoto’, tsunâmi também teriam provocado as ‘listas’ de Fachin, Janot e precedentes.

Caiu!

Foi um raio, como escrevi na primeira destas notas, o que atingiu Brasília e o Brasil naquele começo de noite. – Logo quando deveríamos aproveitar a happy hour no Piantella! – terão reclamado os figurões vitimados e seus habituais parceiros de amenas conversas, inclusive jornalistas.

Não escolhi a palavrinha por acaso; cunhou-a para ilustrar o fenômeno o arguto colunista Bernardo Melo Franco, da Folha de S. Paulo (18.05, em cima do lance), a resgatar artigo da véspera: pensara que a cassação da chapa Dilma-Temer estaria descartada “a não ser que um raio caísse sobre Brasília”.

“O raio acaba de cair sobre Temer” – concluiu.

Rei morto, rei posto

Vida que segue, dirigentes de pequenos e grandes partidos da tal base governista logo deram por finda a governabilidade sob Temer a ensaiaram retirar-lhe o apoio – um até o fez, pela metade – afora os ditos ‘socialistas’ que há tempos dividem-se meio a meio.

Nas edições impressas e demais mídia, na quinta-feira, conformara-se unanimidade: rádios, tvs, sites e redes sociais concordavam em que o governo acabou, viva o novo governo! e aprestaram-se, políticos e jornalistas, a imaginar como se daria a substituição.

Parto da montanha

A interpretação apressada perdurou até a noite de quinta-feira: em menos de 24 horas substituir-se-ia por seu oposto, a hipótese de que Temer daria a volta por cima.

No Palácio do Planalto a sensação beirava o alívio, a julgar pela frase com que ali foi festejada a escuta das gravações do quase monólogo de Joesley Batista, entremeado de frases curtas, murmúrios e sons inarticulados de um surpreendentemente lacônico Michel Temer:

– A montanha pariu um rato – teria dito um auxiliar próximo do presidente.

Benefício da dúvida

Parecia haver razão para tanto. Segundo a descrição inicial do tal raio que caiu sobre Temer, o presidente “endossara” o suborno a Eduardo Cunha, porém isso não se explicitou na conversa gravada.

A frase que o presidente pronunciou, algo como “tem que manter isso”, sobreveio à declaração do empresário de que “estava em paz”, ou coisa que o valha, com o ex-deputado.

Assim ao presidente conceder-se-ia, ao menos, o benefício da dúvida, talvez suficiente para embasar argumentos jurídicos com que salvar o mandato.

Mercado político

Mas o tempo da política difere daquele da Justiça, seus métodos e estratégias também são diferentes e a imprensa costuma privilegiá-los nos relatos e análises.

Na sexta-feira, enquanto se exibiam imagens avassaladoras dos donos e executivos do Friboi a acrescentar ao ignóbil ‘parto da montanha’ despudorados acordos, subornos, “compras” de deputados, votos e decisões, prevaleceram prognósticos sombrios para o governo Temer.

Metralhadora giratória…

Simultaneamente a sexta-feira (nem foi 13!) realizou os piores pesadelos de destacados políticos atingidos pela metafórica ‘metralhadora giratória’ dos delatores.

Aécio Neves foi compelido a afastar-se da presidência do Psdb, assistiu à prisão de um primo-assessor e até à da irmã, principal conselheira e foi suspenso de suas prerrogativas parlamentares pelo Stf. Por pouco não foi preso – o ministro Fachin, que poderia fazê-lo, preferiu remeter ao plenário da Corte o pedido do procurador geral da República.

…e nada seletiva

Em meio à tempestade Lula mergulhou, a esperar que as ondas quebrassem-se acima de sua cabeça. Mas dificilmente terá fôlego para permanecer submerso enquanto as delações, inicialmente concentradas no governo, atuam como bombas de profundidade que no caminho já detonam Dilma Rousseff e Guido Mantega: este, segundo Joesley Batista, seria o principal administrador das ‘contas-correntes’ abertas pelo grupo empresarial para uso de Lula e Dilma – coisa de 150 milhões de dólares!

Propinas a granel

Sobrou também para os ‘suspeitos de sempre’ e outros nem tanto: Renan Calheiros, Gilberto Kassab, Marta Suplicy, Eunício de Oliveira, José Serra, Fernando Pimentel… – todos incluídos pelos delatores no rol dos que receberam propinas. Quem sabe? seria mais fácil listar quem não entrou na dança?

Rato imune…

Passou quase despercebido, poucos analistas registraram na imprensa o fato mais grave, triste, estarrecedor de todo o imbróglio.

Lembram-se?, leitores, do alívio do assessor palaciano porque a montanha teria parido um rato? Pode até ser. Mas trata-se de um rato gordo, forte, muito bem protegido pelos anticorpos da impunidade, parente de outras ratazanas conhecidas na política brasileira.

…e deletério

Esses roedores inocularam no ambiente político moléstia mais deletéria que a peste bubônica. Vulneraram o estado, fragilizaram a República e seus poderes, corroeram sucessivos governos. Num crescendo de horrores desestabilizaram a democracia, contribuindo para que se estabelecessem ditaduras.

Assim ensejaram, por ironia no mais longo período democrático de nossa história, aquela inacreditável conversa entre um presidente da República e o líder de grupo empresarial que já se notabilizara por relações suspeitas com o estado.

Pode isso?

Como pôde? o presidente da República receber na residência oficial, altas horas, tal personagem?, dispor-se a ouvir-lhe confidências, vangloriar-se de corromper juízes, procuradores e não o mandar prender?, saber que o interlocutor compra o silêncio de Eduardo Cunha, o mais notório corrupto-corruptor da cena atual, e nada fazer?

Exílio dourado

Outro absurdo só seria percebido mais tarde: enquanto o raio cai sobre Brasília os empresários que o atraíram exibem-se num caríssimo apartamento na Quinta Avenida em Nova Iorque, para onde se evadiram com permissão da Justiça brasileira.

Terá sido mera coincidência que na tal conversa com o presidente da República um deles haja-se orgulhado de aliciar juízes e procuradores.

 

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