O que está em jogo com a nova Taxa de Longo Prazo (TLP)?

Ofuscada pelos debates envolvendo a votação das propostas de “reforma política” e também pelos movimentos decorrentes da expectativa em torno de uma nova denúncia a ser apresentada contra o presidente Michel Temer, a aprovação, na Câmara dos Deputados, da medida provisória que estabelece a Taxa de Longo Prazo (TLP) como futuro indexador para os financiamentos concedidos pelo BNDES se deu sem que a ela fosse dispensada uma atenção proporcional aos seus impactos para o futuro de nossa economia.

Não se discute que a urgência em corrigir as distorções inerentes aos assim chamados subsídios implícitos – quando o custo da captação dos recursos pelo Tesouro Nacional excede à remuneração paga pelos agentes financeiros a quem são repassados – por si só justifica a adoção de medidas que visem conter o crescimento em nível exponencial deste custo fical que saltou de R$ 17,7 milhões em 2008 para R$ 29,1 bilhões em 2016. Somente estas operações já contratadas ainda custarão aos cofres públicos um montante superior a R$ 109 bilhões, o que contribuirá para o um déficit que, invariavelmente, vem recaindo sobre o conjunto da sociedade por meio de ainda mais impostos.

A equiparação dos encargos de empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES com o rendimento dos títulos da dívida pública com prazo de maturidade igual à média dos empréstimos e financiamentos hoje concedidos com base na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) – no caso, as Notas do Tesouro Nacional de série “B” (NTN-B) com prazo de cinco anos – se mostra bastante apropriada para, na medida do possível, reduzir os subsídios concedidos pela União aos explícitos, àqueles de natureza financeira, seja por meio de equalizações de preços ou de juros, que forem dimensionados e aprovados pelo Congresso em conjunto com as leis orçamentárias.

Por outro lado, há flagrante equívoco em contabilizar os recursos transferidos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), pelo Fundo da Marinha Mercante (FMM) e pelo Fundo de Participação PIS-PASEP para a concretização dos programas governamentais de fomento ao setor produtivo nacional e à geração de emprego e renda, aos quais estão vinculados, como se fossem subsídios implícitos.

O argumento que alega a existência de subsídios implícitos levando em consideração o custo de oportunidade da eventual aplicação dos recursos do FAT e do FMM em títulos federais, na comparação com o financiamento de investimentos voltados para o desenvolvimento econômico e a indústria naval, com remuneração pela TJLP, se baseia na falsa premissa de que os mandamentos constitucionais e legais, que vinculam a utilização dos Fundos, poderiam ser ignorados em favor do seu direcionamento para aplicações na dívida pública mobiliária.

Fixar a remuneração do montante transferido pelos Fundos às instituições financeiras oficiais, enquanto não aplicados, ao nível da taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), é pertinente porque desestimula a manutenção destes valores em tesouraria e o seu emprego para constituição de reservas. Entretanto, a equiparação de juros dos financiamentos com base nestes recursos com os valores praticados no mercado de títulos públicos de longro prazo – ainda mais elevados do que a já altíssima taxa SELIC -, fulminaria seus objetivos de assegurar competitividade internacional para o setor produtivo brasileiro.

A concepção da TJLP é justamente a de buscar alguma equalização entre as taxas de juros de longo prazo internas e externas. Por isso mesmo, seu cálculo leva em consideração a meta de inflação para o período, os juros externos livres de risco e uma componente de risco país.

O que torna possível esta oferta de crédito a juros mais baixos do que seria possível através dos mecanismos de mercado é a existência de uma poupança forçada constituída pelas receitas de contribuições como as do Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). São subsídios explícitos, de matiz constitucional, visto que a própria definição de contribuições, enquanto espécie de tributo, implica a vinculação do produto de sua arrecadação.

A transparência que se reivindica para o fim dos subsídios implícitos, de natureza creditícia, que afetam o estoque da dívida pública, sem, no entanto, figurar no balanço de receitas e despesas públicas, precisa ser empregada também para reconhecer tratamento diferenciado aos subsídios explícitos, de natureza financeira, concedidos exclusivamente com base na receita e patrimônio próprio dos Fundos constituídos para esta finalidade, sem impacto para o Tesouro. Mesmo os mecionados repasses ao FAT para custeio do Abono Salarial e do Seguro Desemprego – uma política social, que não guarda nenhuma relação com a política creditícia aqui discutida -, precisam ser analisados tendo em conta a apropiação pelo Tesouro Nacional de 30% da receita anual do FAT que vem sendo promovida através da Desvinculação de Receitas da União (DRU).

Não restam dúvidas dos benefícios da aplicação da nova TLP aos empréstimos com funding do Tesouro Nacional, promovidos ao custo para o contribuinte de emissão de títulos da dívida pública. Essa realidade, onde quase 70% do estoque global de crédito das empresas brasileiras correspondem a operações com o BNDES a juros subsidiados, precisa ser repensada, inclusive sob a perspectiva da construção de um ambiente para o desenvolvimento de um mercado de crédito privado de longo prazo no Brasil. Além do impacto positivo para as contas públicas, certamente esse caminho irá conferir maior eficiência à nossa economia, na medida em que – através da dinâmica do mercado – a remuneração dos recursos investidos se aproxima de seu custo de oportunidade, privilegiando as alternativas de aplicação mais eficientes e, assim, aumentando a produtividade agregada.

Em relação aos recursos dos Fundos, arrecadados da sociedade sob a forma de contribuições, importa sempre lembrar que é o texto constitucional – com suas diretrizes, objetivos e princípios – que subordina as escolhas da política econômica do governo, e não o contrário. Aqui, os desafios dizem respeito à diminuição da regressividade – quando os subsídios promovem a transferência de renda da sociedade para os grandes grupos econômicos – e da concentração de crédito como fator de reprodução das desigualdades regionais.

A importância de uma política industrial na qual o Estado impulsione setores específicos – em função de seu potencial de inovação ou pelos ganhos que geram para os demais setores da economia – é tal que não se pode negar. Nesse sentido, considerando os efeitos fiscaus do perfil do endívidamento brasileiro – onde a taxa básica da economia é artificialmente elevada para atender a demanda dos agentes financiadores da dívida -, a garantia de crédito disponível a juros inferiores a estes de curto prazo é primordial para financiar os investimentos estratégicos, uma das mais importantes variáveis macroeconômicas para o desenvolvimento.

Especialista em orçamento e políticas públicas, diretor de relações governamentais da Associação Nacional do Transportador e dos Usuários de Estradas, Rodovias e Ferrovias (ANTUERF) e secretário-executivo da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

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