OPINIÃO | O que ainda falta aparecer

Por Ricardo Callado


Nos últimos dois meses a política brasiliense voltou às páginas policiais. E deve se manter por lá por mais um bom tempo. Velhos e novos personagens se embaralham no mesmo enredo: corrupção na saúde.

São histórias distintas e um mesmo mote. A gravação da sindicalista Marli Rodrigues com o vice-governador Renato Santana  falando em suspeita propina colocou o governo em alerta.

Presidente do SindSaúde, a maior entidade sindical do setor no DF, Marli fala abertamente sobre percentagens de pagamento em contratos na Secretaria de Saúde e na Secretaria de Fazenda. E cita ainda superfaturamentos na compra de kits contra a dengue.

Marli gravou, ainda, o ex-secretário de Saúde Fabio Gondim, onde também apontam diversas suspeitas.

A Câmara Legislativa, insatisfeita politicamente, caiu para cima do governador Rodrigo Rollemberg. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Saúde aberta pelos deputados distritais vinha cambaleante até então.

O Palácio do Buriti trabalhava para que a CPI não andasse. Indicados de deputados favoráveis à investigação eram exonerados.

A gravação de Marli Rodrigues deu o gás que a CPI precisava. Deputados foram para cima do governo. As convocações em sequência tinham a intenção de colocar o Governo de Brasília nas cordas.

O ato seguinte foi a revelação de que a então vice-presidente da Câmara, Liliane Roriz (PTB) gravou a presidente da Casa, Celina Leão (PPS) e o ex-secretário-geral Valério Neves.

O vento mudou de rumo. A crise foi transferida para o Legislativo. As gravações sugerem um acerto entre deputados da Mesa Diretora, com ajuda de assessores, de cobrança de propina em pagamento de empresas que prestam serviços de UTI ao Executivo.

Criou-se a Operação Drácon pelo Ministério Público do DF, com apoio Polícia Civil. Emendas de parlamentares no valor de R$ 30 milhões seriam usadas para pagamentos das empresas. Uma parte desse valor, entre 5% e 10%, talvez 7%, seria devolvida para os deputados em forma de propina.

Liliane renunciou ao cargo de vice-presidente. A Câmara elegeu um novo vice, o deputado Juarezão, do partido do governador. O Tribunal de Justiça do DF afastou os demais integrantes da Mesa Diretora. Juarezão virou presidente.

Três dos deputados citados nos grampos de Liliane são membros da CPI da Saúde. Todos se afastaram da comissão. Governistas assumiram os postos. A primeira entrevista do governador após as gravações virem à tona foi para desqualificar a comissão.

Com a CPI sob controle, o presidente do Legislativo da base governista e uma crise tirando o sono dos deputados, o Executivo saiu triunfante e o Legislativo foi às cordas.

A cada dia mais peças aparecem. Se no começo achou-se estranho que Liliane tivesse complicado a vida de Valério, na quinta-feira (08) novas gravações feitas pela deputada colocam sob suspeita a administração do seu pai, o ex-governador Joaquim Roriz. O que pode se chamar de algo extraordinário.

Liliane também grampeou o ex-senador Luiz Estevão, preso na Papuda. Na gravação se fala sobre tudo. É nesse grampo que cita pagamento de propina no governo Roriz. Também explica contribuições da empreiteira OAS durante a campanha eleitoral de 2014, através do ex-senador Gim Argello. Debatem indicações na Câmara. E mais deputados são citados. Estevão ainda se gaba de ter acesso ao governador Rollemberg e um ex-assessor seu. O fato foi negado pelos citados.

Com a OAS e Argello, a Operação Drácon se mistura com a Operação Lava Jato. E ainda traz personagens do passado à tona. Para complicar, uma testemunha ainda não conhecida coloca a crise novamente no Palácio do Buriti.

Não foi na Câmara Legislativa e nem nos grampos de Liliane, mas também envolve a Saúde. O cenário desta vez foi o Ministério Público do DF. Os nomes do governador e do chefe da Casa Civil, Sérgio Sampaio, aparecem em um depoimento prestado ao MPDFT durante a operação Drácon.

Por causa da citação, o inquérito foi enviado à Procuradoria-Geral da República, que passa a acompanhar o caso. Então temos agora a Drácon, a Lava Jato e a PGR.

O depoimento foi dado por um ex-gestor da Secretaria de Saúde. Ele citou nominalmente Rollemberg e Sampaio. Em nota, o Palácio do Buriti negou as irregularidades.

Entre as denúncias, está o superfaturamento na compra de kits de combate aos sintomas da dengue. Os mesmos que no começo do texto foi citado pela sindicalista Marli Rodrigues.

Segundo o depoimento, o GDF comprou cada kit por R$ 55, mas o edital de licitação previa um custo máximo de R$ 22. Mesmo esse valor previsto estaria acima da média de mercado, estimada em R$ 8 de acordo com o ex-gestor.

Se os valores do depoimento estiverem corretos, isso significa que cada kit custou 587,5% a mais que o preço razoável.

Os R$ 22 milhões teriam sido autorizados pelo atual coordenador de Logística e Infraestrutura da Secretaria e Saúde, Tiago Amaral Flores. O documento não aponta quando a compra foi feita.

O Palácio do Buriti disse que a compra dos kits da dengue não foi feita pelos preços informados na denúncia.

Nessa história aparece até a citação de três reis magos. O depoimento cita Armando Raggio, diretor-executivo da Fundação de Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs), Sady Carnot Falcão Filho, ex-diretor-executivo do Fundo Nacional de Saúde, e Renilson Rehem, diretor da organização social que gerencia o Hospital da Criança de Brasília.

O depoente aponta Sady Filho como o responsável por indicar o ex-diretor do Fundo de Saúde do DF, Ricardo Cardoso. Ao longo de 2015, ele foi responsável por pagar os fornecedores do GDF na área de saúde.

Foi Cardoso quem assinou a emenda que liberou R$ 30 milhões para o pagamento de fornecedores de UTI em dezembro de 2015. Essa liberação é que possibilitaria o pagamento de propina a Celina e outros deputados.

O caso esta na PGR. O ofício que foi enviado pelo MPDFT diz apenas que o material mostra que “pode” haver participação do governador, mas não contem conclusões.

Esse tipo de investigação costuma levar meses. Quem deve ficar por conta do caso na PGR é o novo vice-procurador-geral, José Bonifácio Borges de Andrada, nomeado nesta quinta-feira (8).

Esse texto é apenas uma contextualização para quem perdeu algum capítulo. Mais cenas devem aparecer. Vão de novas gravações, ameaças de dossiês, até blocos de anotações esquecidos. É uma novela sem fim.

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