Artigo | O que precisamos saber sobre a segurança nos jogos olímpicos?

Por Jeferson Furlan Nazário


Durante 17 dias, o mundo esteve com os olhos voltados para o Brasil. Os jogos olímpicos uniram nações e fizeram com que o país se tornasse alvo de inúmeras notícias, boas e ruins.

No entanto, este é o momento em que devemos falar sobre legado. O que os jogos olímpicos no Rio de Janeiro vão deixar para o nosso país além de memórias e a infraestrutura nas cidades que receberam os jogos? Um evento de tal magnitude, com um investimento de R$ 38 bilhões, precisa provocar um dos legados mais importantes: a reflexão do que poderíamos ter feito diferente.

Sabemos que, ao longo dos 17 dias, os jogos ficaram marcados por longas filas para entrada nas arenas olímpicas, seja no Rio ou nas cidades do futebol. Assistíamos, pela TV, os jogos começarem com pouco público, porque, como informavam os apresentadores, as pessoas ainda estavam tentando entrar nos locais. Recebemos relatos de torcedores que não passaram por revistas apropriadas, de profissionais com dificuldades para operar máquinas de raio-x e até de avarias destes equipamentos.

Muito foi noticiado, mas o que não foi discutido é que isso poderia ter sido evitado. E é preciso apontar os responsáveis, precisamos resgatar como se deu o processo de planejamento da segurança dos jogos olímpicos nos últimos três anos, desde que o Brasil foi escolhido para sediar o evento.

Como tudo começou

Em 2010, o Comitê Organizador Rio 2016 foi criado e, dentro dele, havia uma área funcional responsável pelo plano de segurança para o evento. Um time competente foi montado e estes profissionais elaboraram um plano de segurança integrada, envolvendo setores públicos e privados, para as arenas e as cidades do futebol. O orçamento inicial deste plano era de R$ 120 milhões.

É importante ressaltar que o comitê organizador não lida com dinheiro público. Todo o seu recurso vem de patrocinadores internacionais e nacionais. Em 2014, o mega projeto estava pronto, mas o comitê não conseguiu fechar as cotas de patrocínio suficientes e foi aí que entrou o governo federal se comprometendo a assumir algumas funções da área de segurança dos jogos olímpicos, que envolviam atividades de segurança privada como os mags & bags (raio x) – a aquisição de equipamentos e a vistoria nas arenas.

Inicialmente, o governo federal, por meio da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça, informou ao comitê organizador que enviaria 10 mil homens da Força Nacional, e que faria uma licitação para contratação de empresas de segurança privada para parte da vistoria, mag& bags (raio-x), entre outras funções.

Ainda neste ano, empresas de segurança privada foram convocadas pelo governo para fazer uma tomada de edital. O valor sugerido pelas empresas, para atender de forma ideal, ficou entre R$ 55 milhões e R$ 70 milhões. O governo não ouviu as empresas, colocou a licitação na praça e escolheu a Artel Recursos Humanos.

É preciso salientar que, durante os últimos dois anos, a Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) manteve contato por meio de reuniões formais, várias vezes, tanto com o Ministério da Justiça quanto com o Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016, realçando sempre a necessidade de se organizar o sistema integrado de segurança, entre a segurança pública e a segurança privada.

Nestes encontros foi apresentado um relatório sobre as Olimpíadas realizadas na Inglaterra, elaborado a partir de uma viagem empresarial de membros desta federação, e que proporcionou uma imersão na expertise adquirida por este país após os jogos de 2012. Mas, no entanto, a Fenavist não foi ouvida.

Visitamos a Inglaterra porque, nos jogos olímpicos de Londres, os organizadores contrataram apenas uma empresa particular, para fazer a segurança do evento e acabou tendo vários problemas às vésperas das Olimpíadas, o que forçou o governo a convocar militares de última hora para realizarem o serviço.

O mesmo acabou acontecendo aqui no Brasil, mas com alguns agravantes, com a contratação da empresa Artel recursos humanos, amplamente noticiada, para realizar os serviços na área de segurança para controlar acessos e vistorias. As diversas reuniões da federação nacional com o governo federal, na tentativa de sensibilizar para a formulação de um plano de ação eficiente, não evitou que, às vésperas da abertura dos jogos olímpicos, o governo cancelasse o contrato com a empresa de Recursos Humanos (não de segurança privada), que também alegou dificuldade financeira e contratou apenas 1/6 dos agentes necessários.

O governo federal brincou com recursos públicos.  Para garantir que a vistoria nas arenas acontecesse, o governo mandou chamar 3 mil PMs aposentados, de forma emergencial, dispensando um processo licitatório e fazendo pagamento, juntamente com benefícios como alimentação e outros, de forma direta em dinheiro, além disso deram a estes profissionais da reserva camisetas com logo da Força Nacional, enganando o público, como se fossem pessoas mais qualificadas para dar proteção aos acessos aos eventos e jogos. Não foi feito qualquer treinamento para a vistoria de raio-x, estes profissionais nunca tinham mexido nestes equipamentos – não sabiam nem diferenciar o que era um contraste.

Esta desorganização do governo federal custou R$ 20 milhões aos cofres públicos. Não por culpa desses agentes, mas porque não havia um plano integrado construído em longo prazo com empresas sérias e que honrariam as suas atribuições nos jogos olímpicos.

O cenário que quase ninguém viu

O comitê organizador Rio 2016, que havia se preparado com antecedência, foi prejudicado com a forma como o governo tratou a importância da segurança privada no evento.

A demanda de profissionais para a vistoria nas entradas das arenas era de 6 mil pessoas. Com o rompimento do contrato com a empresa Artel e a falta de um plano de segurança integrada que dialogasse com o setor, o governo federal disponibilizou um número menor de agentes. Não cumpriu nem com o prometido de enviar 10 mil homens da Forma Nacional – foram convocados menos de 9 mil.

Os agentes que estavam nos jogos olímpicos foram tratados com total descaso. Em alguns dias, não receberam do governo o voucher para alimentação, e cruzaram os braços.  O comitê organizador acabou assumindo a responsabilidade de comprar os vouchers para que os agentes pudessem trabalhar. A hospedagem também não foi adequada. Nas entradas de pessoas credenciadas, a recomendação era que a leitura de mags & bags fosse liberada. Bastava ter o crachá para conseguir acesso. O governo fez pouco dos seus agentes e de nós, brasileiros, que ficamos à mercê da sorte, muitas vezes.

O Brasil teria, hoje, cerca de 15 a 20 mil profissionais de segurança privada capacitados para atuar nas Olimpíadas, caso o processo de contratação e capacitação tivesse começado no tempo proposto pelo Comitê Rio 2016, pela Fenavist e pelas empresas e outras instituições do setor.

No entanto e preciso fazer justiça. Em relação ao Comitê Organizador Rio 2016, a segurança privada foi garantida por meio de contratações regulares, seguindo todos os protocolos do processo de seleção. Ao todo, de 3 a 4 mil homens foram contratados pelo comitê, só para o Rio de Janeiro, sem contar as cidades do futebol. Nessas cidades, foram cerca de 2.500 homens contratados. No entanto, esses homens estavam alocados em outras funções que não a vistoria de raio-X.

O fato é que perdemos muito com a falta de um planejamento de segurança integrada. Perdemos em experiência de gestão de grandes eventos; perdemos em geração de emprego e renda para milhares de profissionais da segurança privada; perdemos em valorização de um setor responsável pela geração de mais de 700 mil empregos diretos; perdemos, ainda, em segurança para os torcedores que estiveram nas arenas.

Entretanto, mesmo com todo o descaso do governo federal, o plano de segurança privada do comitê organizador chamou a atenção dos japoneses e vai servir de referência para os próximos jogos olímpicos em Tóquio. O Japão convidou o comitê para ir até o país e apresentar o plano em novembro deste ano. Preocupado com a segurança do seu grande evento, o país oriental já está formatando um modelo de consórcio de empresas de segurança privada para não repetir os mesmos erros de Londres e do Brasil.

Diante de tudo isso, que fique a reflexão sobre a importância de levar a segurança privada em grandes eventos mais a sério, com a mesma seriedade que o governo federal teve em viabilizar a infraestrutura dos jogos olímpicos. Os brasileiros, os turistas e o setor produtivo merecem esse cuidado. Hoje ficamos com a certeza de que Deus é brasileiro, visto que ficamos sob o risco da incompetência e descaso de algumas autoridades brasileiras, mas protegidos pela fé e milagres, como o que ocorreu.


*Jeferson Furlan Nazário – presidente da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist)

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