OPINIÃO | Por dentro da Operação Drácon e de suas contradições

A Operação Drácon tem seu julgamento previsto para acontecer na terça-feira (21). Nos últimos dias, um freio de arrumação vem sendo colocado em prática para organizar as denúncias do Ministério Público. E amenizar as contradições e erros da investigação.

Para quem perdeu algum capítulo, vamos lembrar como tudo começou. No dia 15 de julho do ano passado a revista IstoÉ publica em seu site na internet uma reportagem denunciando um esquema de corrupção dentro do Executivo.

Segundo a reportagem, o esquema constaria em uma conversa gravada entre o vice-governador Renato Santana e a presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde (Sindsaude), Marli Rodrigues.

Ambos se referiam a um esquema de corrupção envolvendo contratos entre empresas particulares e o GDF. Renato fala em cobrança de 10% de propina na Secretaria de Fazenda; e Marli em 30% na Secretaria da Saúde.

Tais fatos já haviam sido levados ao conhecimento do próprio governador Rollemberg, desde 14 de dezembro de 2015 pela própria presidente do Sindsaude.

Ainda segundo a reportagem, o Ministério Público do DF também teria tido acesso a tais gravações e estaria realizando uma investigação sobre o tema.

E, de fato, desde 28 de junho de 2016, Marli já havia entregue ao MPDFT os documentos e provas do alegado esquema de corrupção no GDF.

Em 20 de julho de 2016, a sindicalista prestou depoimento junto a 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), do MPDFT, esclarecendo os detalhes do esquema de corrupção.

No mesmo dia, Caio Barbieri, ex-assessor da Casa Civil do GDF também presta seu depoimento, relatando que apesar dos graves fatos denunciados, os responsáveis pela apuração no âmbito do Executivo “fizeram vistas grossas” às denúncias.

Contudo, embora ciente das denúncias de corrupção no âmbito do GDF desde dezembro de 2015, somente em julho de 2016, após a divulgação dos fatos pela Isto É e no curso da investigação pelo MPDFT, o consultor-geral Rene Rocha solicita a Procuradoria-Geral de Justiça do MPDFT a apuração do caso, em caráter “urgentíssimo”.

O procurador-geral do MPDFT, Leonardo Roscoe Bessa, instaura um primeiro procedimento interno para apuração dos fatos, em 20 de julho de 2016.

A promotora da 2ª Prosus, até então responsável pelas investigações, é “orientada” internamente a remeter os autos à própria Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), em tese, porque as provas colhidas até então convergiam para a responsabilidade do Executivo e de um secretário de Estado.

Essa justificativa não se mostra plausível pois a competência para investigar é da Procuradoria Geral da República (PGR) junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, não, da PGJ junto ao Tribunal de Justiça do DF (TJDFT).

Em 15 de agosto de 2016, é, no entanto, aberto um segundo procedimento interno para apuração das denúncias, já agora no âmbito da Procuradoria-Geral de Justiça do MPDFT, através da Portaria 01/2016, sob a responsabilidade da vice-procuradora Selma Sauerbronn.

Na gravação nº 38, de 25 de maio de 2016, e nº 36, de 19 de abril de 2016, os interlocutores comentam que os envolvidos no esquema de corrupção das UTI’S/2014 estavam comemorando o recebimento da propina no show de Jorge & Mateus.

O MPDFT sustenta que o esquema envolvia a Emenda nº 08, confeccionada fraudulentamente pelos deputados integrantes da Mesa Diretora, de dezembro de 2015.

Contudo, o show comemorativo imediatamente anterior a esses áudios foi em 10 de outubro de 2015. Se em outubro os deputados envolvidos no esquema já comemoravam o recebimento da propina, como poderia o esquema ter sido orquestrado em dezembro de 2015?

Uma nova via investigativa surge, em 21 de junho de 2016, no MPDFT através da 1ª Promotoria de Justiça da Saúde (1ª Prosus). Nesta nova investigação, surge o termo de depoimento da deputada Liliane Roriz, prestado em 29 de julho de 2016.

A investigação que tramitava desde 21 de junho no âmbito da 1ª Prosus também é transferida para a PGJ, em 15 de agosto.

Dois dias após a transferência da investigação da 1ª Prosus para a PGJ, ou seja, em 17 de agosto, o jornal O Globo tem acesso, com exclusividade, aos áudios entregues por Liliane ao MPDFT.

A primeira contestação é que a versão original dos áudios, segundo o Centro de Inteligência do MPDFT é diferente dos áudios apresentada à Justiça e a imprensa. Na nova versão, o MPDFT transforma os trechos “ininteligíveis” em nomes de integrantes da Mesa Diretora, e a personagem “Leda” vira “Mesa”.

Versão original do núcleo de perícias do MPDFT

Deputada: Hum rum.

Valério: E nada de compromisso com o grupo que são seis pessoas (você), (Renato), (…), (…), a (Leda) mais o Cristiano (que não fez compromisso)”

Versão apresentada à Justiça e à imprensa pelo MPDFT

Deputada: Hum rum.

Valério: E nada do compromisso com o grupo que são seis pessoas: (você), (Renato), (Raimundo), (Celina), a (Mesa) mais o Cristiano (que não fez o compromisso).”

A segunda versão dos áudios é, então, apresentada à Justiça, com pedidos de condução coercitiva, busca e apreensão de documentos e afastamento cautelar dos mandatos de todos os integrantes da Mesa Diretora.

Em 2 de agosto, a PGJ do MPDFT informa a PGR que em diversas passagens haveria “menções explícitas à pessoa do governador”.

Em 13 de setembro, o Ministério Público manifestou-se pelo arquivamento das investigações com relação ao governador.

O vice procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, concluiu que “a simples menção de seu nome (Rollemberg) não tem o condão de deslocar a competência para apuração dos fatos”.

No parecer, o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, ainda pontua que: “apesar de referências ao nome do governador não foram trazidos aos autos quaisquer indícios de sua participação direta nos fatos narrados e tidos por ilícitos”.

Para os demais investigados, o MPDFT não apenas poderia investigar, conduzir coercitivamente e denunciar, mesmo com fundamento apenas em menções aos seus nomes por terceiros, sem qualquer indício concreto de participação no suposto esquema.

Apenas em 21 de novembro, o MPDFT alega ter elementos para denunciar os envolvidos, dentre os quais não constam nem a deputada Liliane Roriz, nem qualquer dos envolvidos no esquema denunciado e investigado inicialmente inclusive pelo Ministério Público.

As duas acusações do MPDFT: primeira acusação: Afonso Assad (a 1ª vítima):

“No período compreendido entre os dias 07 de dezembro e 16 de dezembro de 2015, nesta cidade de Brasília/DF, os denunciados Celina Leão, Bispo Renato, Júlio César, Raimundo Ribeiro, Cristiano Araújo, Valério Neves e Alexandre Braga Cerqueira, agindo de forma voluntária e consciente, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, em razão do exercício dos cargos públicos que ocupavam, solicitaram, em favor de todos, vantagens indevidas (propina) ao presidente da Associação Brasiliense de Construtores (Asbraco), como contrapartida à destinação, por meio de emenda a projeto de lei, de recurso orçamentário para o pagamento de empresas associadas responsáveis por obras de manutenção das escolas públicas do Distrito Federal” (p. 03 – denúncia).

O depoimento da vitima ao MPDFT

Afonso Assad: “Que o declarante já conversou com praticamente todos os deputados distritais, mas não tem relação íntima com nenhum deputado, já que sua relação sempre foi institucional; Que conversou, em novembro de 2015, com o governador do DF Rodrigo Rollemberg, o qual lhe assegurou que a única maneira de conseguir verba seria através das emendas parlamentares; que o declarante procurou diversos deputados distritais, entre os quais Júlio Cesar e Bispo Renato, mas recebeu a notícia de que as emendas parlamentares também já estavam comprometidas; que passados alguns dias, foi contatado pelos deputados distritais Julio Cesar e Bispo Renato, os quais lhe asseguraram que havia sobra de orçamento da CLDF e que tal verba poderia ser utilizada para a continuidade de obras contratadas pelo Governo; que a partir de então, houve uma série de ligações telefônicas entre o declarante e os citados parlamentares; que tais ligações, ora eram efetuadas pelo declarante, ora eram efetuadas pelos deputados Bispo Renato e Júlio Cesar; que o declarante chegou a ir aos gabinetes dos referidos deputados distritais para discutir tal destinação; (…) Que ambos os deputados distritais chegaram a relatar que estavam sofrendo pressão do deputado Cristiano Araújo e do Governo para pagamento de dívidas na área da saúde e queriam que fosse definido, o mais rápido possível, a definição a alocação de tais recursos com as respectivas rubricas orçamentárias; (…) Que após a deflagração da Operação Drácon, não foi procurado por qualquer dos envolvidos, sejam os deputados distritais, sejam seus assessores; que gostaria de acrescentar que teve contatos institucionais com os deputados distritais Raimundo Ribeiro, Celina Leão e Cristiano Araújo, mas nunca tratou com os mesmos de qualquer destinação de verbas por meio de emendas parlamentares”.

Segunda acusação: empresas de saúde (a 2ª vítima)

“Utilizando o mesmo modus operandi, no período compreendido entre os meses de dezembro de 2015 e abril de 2016, nesta cidade de Brasília/DF, os denunciados Celina Leão, Bispo Renato, Júlio César, Raimundo Ribeiro, Cristiano Araújo, Valério Neves e Ricardo dos Santos, agindo de forma voluntária e consciente, em comunhão de desígnios, em razão do exercício dos cargos públicos que ocupavam, solicitaram, em favor de todos, vantagens indevidas (propina) à empresas prestadoras de serviço de fornecimento de leitos de UTI, em razão da destinação, por meio de emenda a projeto de lei, de recurso orçamentário de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) em favor dela” (p. 03 – denúncia).

Os depoimentos das vítimas ao MPDFT

(sócios e/ou gerentes das empresas de saúde):

Nubia Vieira (Diretora médica do Instituo de Cardiologia do DF – f. 1557): “Que, indagado à declarante se algum deputado ou deputada distrital, bem como representante de algum deputado ou deputada distrital, ou algum servidor do GDF solicitou alguma vantagem ao Instituto de Cardiologia do Distrito Federal para realizar o pagamento de R$ 4.500.000,00, com crédito oriundo de sobras orçamentárias da Câmara Legislativa, a declarante que não recebeu qualquer solicitação; QUE a declarante deseja esclarecer havia por parte do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal uma expectativa de reconhecimento da dívida total que o GDF tinha com o instituto, em relação aos valores do ano de 2014, como era de costume sempre que havia a passagem de um ano para o outro, não causando surpresa à declarante o reconhecimento parcial da dívida de R$ 4.500.000,00, no mês de dezembro de 2015, cujo pagamento se deu efetivamente em 28 ou 29 de janeiro de 2016”;

Nazir Neto (Sócio do Hospital HOME – f. 1559): QUE o declarante, bem como o Hospital Home, não foram procurados por qualquer deputado distrital ou qualquer representante de qualquer deputado distrital, solicitando qualquer tipo de vantagem para que fosse quitada a dívida da Secretaria de Saúde do DF com o Hospital Home, mediante a destinação de sobras orçamentarias da CLDF;

Manuel Ronaldo (Sócio-proprietário do Hospital Santa Marta – f. 1582): QUE o Hospital Santa Marta tentou de diversas formas receber a divida que a Secretaria de Saúde tinha, de maneira que o declarante procurou diversas vezes as pessoas responsáveis da Secretaria de Saúde, solicitando o pagamento da divida; QUE, indagado ao declarante se algum Deputado Distrital ou representante de Deputado solicitou alguma vantagem para que fossem destinadas sobras orçamentárias da CLDF para pagamento dos hospitais que prestavam serviços de fornecimento de UTI ao GDF, o declarante respondeu que não houve qualquer solicitação; QUE pode afirmar que os demais sócios do Hospital Santa Marta, Marcos Diniz e Sebastião Maluf, também não receberam qualquer solicitação de vantagem indevida de algum Deputado Distrital ou representante de deputado;

Antonio Teixeira (Sócio da INTENSICARE – f. 1584): QUE, indagado ao declarante se foi procurado por algum deputado ou representante de deputado distrital, solicitando alguma vantagem indevida para que ocorresse o pagamento de R$ 5.000.000,00 acima mencionado, com recursos oriundos de sobras orçamentarias da CLDF, o declarante respondeu que não foi procurado por qualquer Deputado ou representante e que não sabe onde fica a sede da CLDF; QUE o declarante acredita que tenha sido a pessoa de Gustavo Aquino, um dos diretores administrativos da INTENSICARE no DF, responsável pela cobrança da dívida que a Secretaria de Saúde tinha com a INTENSICARE, inclusive advertindo a Secretaria de Saúde que não haveria mais a readmissão de novos pacientes; QUE, por ocasião dessa tratativas, algum funcionário da Secretaria de Saúde disse a Gustavo Aquino que teria surgido um dinheiro, propondo um pagamento parcial de R$ 5.000.000,00, mediante o retorno da internação de novos pacientes; QUE efetivamente houve pagamento de R$ 5.000.000,00, com recursos que se soube posteriormente seriam oriundos das sobras orçamentárias da CLDF, tendo havido finalmente a retornada das internações.

Então a prova-chave acabou sendo os segundos áudios. A perícia nos áudios “ininteligíveis” que passaram a sustentar a acusação.

A perícia solicitada com a finalidade de atestar a integridade dos áudios degravados não foi sequer realizada na mesma época que a extração dos dados constantes no referido laudo pericial nº 19191/2016, ocorrida em 02 de setembro. Na verdade, foi realizada quase 30 dias após, mais precisamente em 30 de novembro, e mesmo assim registrou-se, categoricamente, que “os peritos criminais extraíram novamente do aparelho os arquivos de áudio questionados” (f. 1384), sequer se podendo afirmar que se tratavam exatamente dos mesmo áudios.

Ao responderem aos quesitos formulados pelo MPDFT, os peritos atestaram a inexistência de “edição” mas não puderam atestar a inexistência de cortes, sobreposições ou mesmo supressões.

Algumas questões são intrigantes: Qual o fundamento da acusação se as supostas vítimas, ouvidas pelo próprio MPDFT, negam ter sido extorquidas pelos denunciados?

Porque o MPDFT realizou um recorte na investigação, deixando de lado o Executivo, a deputada Liliane e os demais personagens citados na 1ª fase da investigação?

Porque razão o MPDFT se opõe ao pedido de perícia nos áudios que apresentou à justiça?

Após meses de investigação, o MPDFT concluiu existir um grande esquema de corrupção na Câmara Legislativa, mas foi incapaz de encontrar qualquer indício do dinheiro supostamente desviado ou mesmo uma testemunha e/ou vítima que confirmasse a extorsão sofrida?

Esse é o novelo que caiu no colo dos desembargadores e que começa a ser desenrolado na terça-feira.

Seja o primeiro a comentar on "OPINIÃO | Por dentro da Operação Drácon e de suas contradições"

Faça um Comentário

Seu endereço de email não será mostrado.


*