Salgueiro conta a história de mulheres guerreiras

 

A vontade de representar Xica da Silva no teatro vem de longe, mas os compromissos profissionais não tinham permitido até agora que o desejo da atriz Roberta Rodrigues fosse realizado. Finalmente isso vai poder ocorrer e para um púbico de cerca de 80 mil pessoas.

A personagem de Roberta é uma das mulheres fortes, guerreiras, que marcaram e ainda estão presentes no cotidiano da vida brasileira. É em homenagem a essas mulheres que o Salgueiro, escola da Tijuca, na zona norte do Rio, levará para o Sambódromo, na segunda-feira (12), o enredo Senhoras do ventre do mundo.

A atriz disse que se sente privilegiada, “uma filha querida de Papai do Céu”, por ter sido convidada para representar no enredo a escrava alforriada que se tornou parte da elite mineradora de Diamantina (MG). Além de representar uma personagem forte, o Salgueiro é a escola do coração de Roberta.

“O último ano que eu desfilei no Salgueiro foi quando ele foi campeão em 2009 e eu brinquei muito dizendo que o Salgueiro ia ser campeão quando eu desfilasse de novo. Então, estou voltando com essa missão. O Salgueiro sempre faz desfiles incríveis. É uma escola especial e sempre trata de assuntos que reveem conceitos da nossa cultura. E este ano, eu desfilar como Xica da Silva é um presente!”, afirmou, animada.

Segundo Roberta, o convite foi apresentado pelo seu colega, o ator Aílton Graça, que também é integrante do Salgueiro. Ele já tinha um projeto de montar uma peça com a atriz no papel de Xica, o que em parte está sendo realizado com o desfile. “Ele falou: ‘você é minha Xica da Silva não só na vida, como no carnaval do Salgueiro’. Aí eu pirei, porque acho de uma importância imensa, nós mulheres negras, e também todo o povo brasileiro, saber da história da mulher negra no Brasil. São mulheres guerreiras, que transformaram, e por isso a gente tem hoje ascensão, uma liberdade maior. Não que seja perfeita. A gente ainda está lutando por muitas vitórias, mas já deu uma boa caminhada, graças a mulheres como Xica da Silva”, disse a atriz.

“Feminino e negro como nunca”

O tema foi proposto pela diretoria da escola ao carnavalesco Alex de Souza. Ele imediatamente concordou e desenvolveu o enredo que, na sua visão, toca em questões sociais ainda atuais, como racismo e misoginia. “O Salgueiro vem feminino e negro como nunca. Acho que a gente vai fazer uma grande poesia na passarela”, disse Souza, destacando também o papel social da escola.

O Salgueiro, que tem a tradição de levar para a avenida histórias com temática africana e de figuras de destaque da cultura negra, já abordou anteriormente a própria Xica da Silva, assim como o Quilombo dos Palmares e a Festa para um rei negro, sobre a visita de príncipes africanos a Pernambuco.

Diversos tipos de mulher estarão representados na avenida, segundo Souza. “Em vários períodos da história, em várias condições. Ela é a regente, ela é a general, ela é soldado, é mãe, é amante, é companheira, militante, professora, poetisa. Ela é aquela que está com o filho, da gestação à hora da morte. Aquela que introduz palavras em nosso vocabulário, dá sabor à nossa culinária, põe tempero na panela. Que sabe ralhar na hora certa, que educa, batalha. Elas são tantas ao longo da história e também da nossa história brasileira”, pontuou. A lista de representadas inclui desde aquelas que fizeram diferença na comunidade até pessoas que foram reconhecidas no país, como a pianista e compositora Carolina Cardoso de Menezes.

O carnavalesco admitiu que embora os enredos com temática africana sejam uma marca da escola, não é possível ter um deles todo ano na avenida, mas quando isso acontece, os integrantes mais saudosos de outros carnavais defendidos pelo Salgueiro ficam mais satisfeitos. “Essa identificação, essa afinidade ajuda bastante a dar aquele gás de chegar e botar o pé na avenida, a entrar com aquela força maior na hora do desfile. Isso é muito bom para a gente”, destacou.

Força do samba e da bateria

O samba-enredo também é um dos pontos fortes deste ano, que tem empolgado os componentes da escola, tanto nos ensaios da quadra quanto nos que ocorreram em ruas da Tijuca, segundo Souza. “A escola vem forte no canto. É uma escola tradicional, de chão, de comunidade. São coisas que parecem clichês, mas ela tem um chão muito forte. O Salgueiro tem uma característica interessante: às vezes os sambas não são tão badalados como os de outras escolas, mas fazem a diferença na hora do desfile”, indicou.

Outra aposta é a bateria do Salgueiro, considerada como uma das melhores da elite do carnaval carioca. “É uma bateria de respeito, bastante eficiente, que tem à frente o mestre Marcão. A bateria também faz com que o samba dê aquele ‘sacode’, que é o que a gente espera fazer na avenida na segunda-feira (12)”, completou.

“Turbilhão de emoções” no desfile

O momento de entrar na avenida é sempre de grande emoção para um componente de escola de samba. Para Roberta Rodrigues, com a representação que fará na passarela, será também um instante em que pensará na filha Linda Flor, que completará um ano no dia 16, e em diversas mulheres que enfrentam batalhas para tocar a vida.

Roberta disse que, como negra e vinda de comunidade – ela cresceu no Vidigal, na zona sul do Rio –, nada foi fácil. A atriz conta que precisou provar a competência “um bilhão de vezes”, o que a capacitou para tudo que realizou não só no trabalho, mas na vida. Quando se tornou mãe, sentiu que isso ficou ainda mais forte.

“Você descobre uma força descomunal e não sabe de onde vem. E começa a valorizar e entender as ‘ladainhas da mamãe’ nas suas reclamações. Você começa entender melhor a mulher, o quanto somos fortes e não temos esse reconhecimento. Começa a querer o seu espaço e os seus direitos. Quando se torna mãe, isso potencializa. Com certeza, quando eu entrar na avenida, vou carregar a força de todas essas mulheres, das mulheres da minha família, das minhas amigas. Vou entrar com um turbilhão de emoções”, acrescentou.

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