Marco Antônio Pontes | “Índios têm alma?”, e as instituições, têm solução?

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Terra é tudo

Índios reivindicaram em Brasília demarcação e segurança em suas terras.

É seu direito, que deve ser apoiado pelos demais brasileiros, a partir da compreensão de que a peculiar relação com a terra é vital para preservar-lhes os costumes, modos de viver e encarar o mundo – sua cultura, numa palavra. Mais: dessa relação depende a sobrevivência física dos povos indígenas e de cada índio.

 “Índio tem alma?”

Ao longo de séculos a perda das terras que habitavam matou – simples, assim: matou – um número desconhecido, certamente assombroso de indivíduos e fez desaparecer etnias inteiras.

Nisso o colonizador português não foi diferente do espanhol, inglês, francês, holandês que se apoderou das terras dos ameríndios sem ter em conta seus direitos – como? cogitar de direitos humanos se nem a humana condição era-lhes reconhecida?

É emblemática a discussão que à época mobilizou a Cristandade, a decidir se os silvícolas da América tinham ou não alma…

Desconsolo

A (má) companhia não nos consola. Menos ainda nos exime de superar, se não podemos reverter, a destruição que o colonizador do qual somos herdeiros perpetrou aqui desde que Cabral comandou as caravelas que fundearam nas atuais Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, frei Henrique celebrou a primeira missa e Caminha documentou a chegada na famosa carta – e aproveitou para pedir benesse a dom Manoel…; mas isso é outra história, aliás prenhe de atualidade.

Erro histórico

Convém-nos é assumir a responsabilidade e constatar: nossos antepassados violaram direitos dos primitivos habitantes desta Pindorama, menosprezaram sua cultura, apoderaram-se de suas terras e ainda por cima tentaram escraviza-los.

Isso não deve motivar autocomiseração, nem flagelações morais. A admissão do erro histórico – pior que a de um crime, apud Bertrand Russel – há de ser ponto de partida para ações concretas que o reparem, a começar pela demarcação e proteção efetiva das terras que habitam, das quais precisam desesperadamente para sobreviver.

Indian blocs?

Porém – tem sempre um porém, nestes tempos e país em que até o passado é duvidoso –, nos protestos na Esplanada e no prédio do Congresso os índios encenaram deplorável espetáculo, a desmerecer-lhes a luta e alienar potenciais apoios.

Pareceu até que se inaugurava uma nova categoria de manifestantes violentos: entrariam em cena indian blocs?, a somar-se aos black blocs?

Arma letal

Não, leitor, não estou a exagerar. Os manifestantes-índios lançaram flechas contra os policiais que os impediam de invadir o Congresso.

Arco-e-flecha é arma letal; aliás, foi o mais eficaz instrumento de ataque na maior parte da história das guerras, até que a pólvora substituísse a força muscular na propulsão de projéteis.

Só por sorte um policial não foi ferido por uma flecha, que atingiu uma sacola de seu equipamento-padrão em vez de penetrar-lhe o corpo.

Flechas e azares

Imagine-se, a exorcismar azares, que a flecha matasse o policial ou qualquer outra pessoa.

Seria mote para empolgar os opositores da causa indígena – e são muitos, encastelados em posições de força – e mundo afora fragilizar a defesa dos povos primitivos.

Lei para todos

Tento uma síntese: a causa é justa, requer apoio social mas desfigura-se quando seus militantes apelam à violência, agridem concidadãos e desrespeitam a lei.

O respeito à lei é parâmetro inarredável do estado democrático de direito, vale para todos; inclusive índios.

Sofisma pueril

Vale também a lei para as manifestações contra as reformas trabalhista e previdenciária, que pretendiam empolgar o Brasil na sexta-feira (28.04) e o que mais conseguiram foi perturbar os viventes das grandes cidades e suscitar opiniões… contra a greve dita geral e seus desdobramentos.

O que não vale é um procurador da Justiça do Trabalho defender os bloqueios de ruas e estradas sob argumento de que o direito à greve é constitucional e tão legítimo quanto o de ir e vir afetado pelos manifestantes.

Óbvio, pueril o sofisma: se tais direitos equiparam-se, um não pode exercitar-se em prejuízo do outro.

Estranha unanimidade

Sim, leitor, imagino que neste ponto da leitura, a constatar que estou prestes a encerrar a coluna, você cobrará de seu velho escriba: houve muito mais na recém-finda semana, espremida entre feriadões.

O Senado aprovou projeto (de Renan Calheiros!) que acresce situações e agrava punições por abuso de autoridade, a visar a Operação Lava a Jato e congêneres.

Possível intenção de compensar tal afronta à sociedade – e talvez muito mais que isso –, em improvável unanimidade votou pela extinção quase total do ‘foro privilegiado’.

Perplexidade

A imprensa está perplexa ante as aparentes irrelevância e contradição dos votos dos senadores e este modesto colunista não é exceção.

Concretizada, a nova lei de abuso de autoridade parece natimorta: ou bem o Stf a declarará inconstitucional, ou cada tentativa de aplicação motivará extensas demandas, ou ainda será uma daquelas ‘leis que não pegam’ – ‘jabuticaba’ desta vez bem-vinda.

A ver…

Já a imprevista unanimidade contra o foro privilegiado requer exercícios mais sofisticados de interpretação.

Já se falou em manobra para obstar iminente interpretação do Stf que na prática eliminaria a prerrogativa; em tentativa dos senadores de reverter o descrédito via mudança constitucional amplamente popular; e, no contexto, remeter o assunto para depois das eleições de 2018, quando entre mortos e feridos todos estarão salvos.

A ver no que dá.

 

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