Marco Antônio Pontes | Processo inconcluso e… perdemos!, de novo

 

 

 

 

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Imunidade adquirida

Não dá pra brigar com a aritmética: a vitória de Michel Temer na Câmara dos Deputados na terça-feira passada foi expressiva e torna-o imune, por enquanto, a ataques de igual natureza.

Visto de outro ângulo, o sucesso empresta-lhe um escudo eficaz contra as novas flechadas prometidas pelo procurador geral. Se não forem envenenados com fatos novos e acachapantes os bambus de Janot dificilmente perfurarão a couraça que agora blinda o presidente.

Processo inconcluso

Ainda assim, o feito parece inconcluso.

É verdade que no embate o presidente contabilizou (mesmo que só por seis votos) a maioria absoluta dos deputados, no que revela preservar a maior parte da base aliada que o sustentava ao assumir; mas ficou aquém (a exatos 45 votos) dos três quintos necessários a mudanças na Constituição, patamar que sonhava atingir.

Em suspenso

A oposição, mesmo com as defecções da base governista – aliás menos numerosas do que esperava –, não conseguiu autorizar a abertura de processo no Stf, nem mesmo avançar na fragilização das hostes governistas; tampouco a situação teve êxito em afastar definitivamente os riscos.

Tudo permanece em suspenso, a aguardar que emerjam (ou não) os tais fatos novos.

Impasses afins

Tanta indefinição deixa perplexos os dois partidos que têm protagonizado as mais recentes disputas nacionais, eleitorais e outras, o Psdb e o Pt. Tão perplexos que se permitem pautar por forças externas, ex-aliadas e-ou ex-oponentes como o Pmdb e eventuais parceiros, por exemplo o ‘centrão’ (remanescente do ‘grupão’ forjado por Eduardo Cunha).

Os tucanos dividem-se meio a meio entre permanecer no governo ou abandoná-lo, os lulistas oscilam entre apostar de fato na derrubada de Temer ou fazê-lo ‘sangrar’ até as eleições de 2018.

 (Falta memória política…

…ao Pt: a estratégia de “deixar sangrar” não costuma dar certo. Aliás, deu errado para os adversários de Lula no imediato pós-mensalão.)

Travessia incerta

Tais impasses costumam resolver-se da pior forma possível, e a confirmar a tendência histórica a resultante que se desenha das forças em conflito é péssima: o governo Temer não cairá nem se fortalecerá, os que o sustentam seguirão inconfiáveis e cobrarão cada vez mais caro o apoio, a oposição não decidirá entre tendências opostas que se anularão e imobilizarão mutuamente…

Assim a “pinguela” referida por Fernando Henrique suportará cambaleante a travessia mas só permitirá que se chegue a 2018, ou pouco mais.

Perdemos todos (outra vez!)

Não se sabe quem vai ganhar, mas desde já se identificam os perdedores: nós, leitor, você e eu, o povo.

Na mais provável hipótese de solução deste imbróglio pouco ou nada se fará do que se propôs e era preciso – até o melhor feito do governo, a modernização da legislação do trabalho, arrisca perder sua virtude mais emblemática, fim do pernicioso, escandaloso imposto sindical.

Falhas nossas

Em meio a tantos conflitos é compreensível que os jornalistas também nos enredemos em versões divergentes e titubeemos nas análises, erremos ao avaliar cenários e prever como evoluirão.

Só não precisávamos aumentar a confusão, por ação ou omissão, muito menos acrescer desinformação – pior ainda se o fazem prestigiados colunistas do mais lido veículo da imprensa diária.

Fora do tom

Na Folha de S. Paulo de 03.08 Bernardo de Melo Franco, ilustre protagonista da página de Opinião, permitiu-se um panfleto em tudo divergente da habitual serenidade com que analisa o cotidiano da política.

Não que haja mentido, inventado fatos nem os distorcido – foi rigorosamente verdadeiro, denunciou as mazelas da política e indignou-se, como a maioria dos brasileiros, ante a interrupção do processo contra Temer.

Péssima cópia

O problema foi o panfleto, em si mesmo, a viciar a análise e ensejar exageros.

Em certas passagens Melo Franco lembrou até as catilinárias, na mesma Folha, de Jânio de Freitas contra a Lava a Jato, o Ministério Público, o Judiciário e quem mais ameace Lula e o Pt.

(A propósito, que lástima!: Jânio, consagrado repórter, gloria do jornalismo brasileiro, bravo militante contra o autoritarismo perder-se em equívocos e confundir populismo com esquerda e produzir lamentáveis peças para-partidárias.)

Pois a citada intervenção de Melo Franco pareceu uma coluna do velho jornalista em má hora travestido em porta-voz petista; só que bem escrita – com a percepção política Jânio de Freitas perdeu também o manejo do texto.

Desinformação geral

Outra desinformação generalizou-se e ficou patente nos noticiários que antecederam e sucederam aquela decisão da Câmara dos Deputados. As referências às famosas emendas parlamentares deram invariavelmente a impressão de que bilhões de reais iriam para os bolsos dos deputados que apoiam o presidente. Ninguém se preocupou em explicar que as tais emendas ao Orçamento, previstas em lei, conformam recursos que congressistas de todos os partidos destinam a suas bases eleitorais.

 

Chantagem, talvez?

Houve, sim, uso das tais emendas para favorecer aliados do presidente e conquistar votos dos chamados ‘indecisos’ – na verdade membros dos partidos que o respaldam, a aproveitar o ensejo para ampliar os ganhos políticos; chantagem seria?, talvez, nome demasiado forte para o caso?

O mesmo ocorreu com cargos e funções na máquina governamental, entre as benesses que a caneta oficial pode assinar.

Nada extraordinário; lamentavelmente é assim que se faz política neste perverso presidencialismo dito de coalizão.

Nada de novo

A oposição a Temer debitou ao ‘toma lá, dá cá’ governista sua derrota na Câmara e nisso teve respaldo geral da imprensa.

Novamente se revela, na simplificada conclusão, a escassez de memória política, compreensível (embora reprovável) nos litigantes porém imperdoável a jornalistas.

Poucos entre os ‘coleguinhas’ lembramo-nos de que se fez exatamente o mesmo na tentativa de sustar o processo de impeachment de Dilma.

A diferença

Registre-se, em meio a tantos equívocos e desinformação na imprensa, a arguta observação da colunista Denise Rothenburg (Brasília-Df, Correio Braziliense, 04.08):

“Nem cargos nem emendas. Isso, aliás, a presidente Dilma Rousseff usou. O que fez a diferença […] foi o crédito pessoal que o presidente tem com os parlamentares.”

Receio, outra vez, exagerar na palavra – agora no dito popular que não resisto à tentação de usar:

“Um gambá cheira o outro.”

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