Artigo | Nem sempre o espaço público é público de fato

Por Ederson Marques


Brasília, a capital da esperança. Quem nunca ouviu esse jargão que norteou a construção da nova capital? A expressão ficou gravada no Hino de Brasília, que tem letra de Geir Nuffer Campos e música de Neusa Pinho França Almeida. Mas a Brasília de hoje não é a mesma da Brasília de ontem. Problemas urbanísticos, de segurança, de saúde e de oportunidades – provocados pelo inchaço populacional típico de grandes centros urbanos – são mais reais no cotidiano daqueles que aqui escolheram viver.

Com população estimada em 2,4 milhões de habitantes, nossa capital tem uma maneira peculiar de se organizar. Tudo gira em torno do Plano Piloto. Jovens de cidades vizinhas à eterna maquete de Lúcio Costa reclamam da falta de lazer, de um cineminha perto de casa, de clubes acessíveis e outras tantas oportunidades que pipocam no Plano Piloto. “Tudo é feito pensando nos bodinhos”, dizem. “Bodinhos” é uma gíria usada para descrever os jovens afortunados que vivem nas asas do grande avião.

Pois bem, muitos chegam a pensar que essa dura realidade passa por um exagero descabido. Poderia pensar um jovem do Plano Piloto: “Mas eles podem pegar ônibus e virem se divertir aqui. Ninguém os proíbe”. Oras, o custo de tal “brincadeira” não se encaixa no orçamento da família. Então, o ideal seria levar lazer até eles. Bingo! Mas e aí, o que falta?

Falta muita coisa, mas principalmente respeito e compromisso com quem realmente importa. O Estado deve trabalhar para diminuir as diferenças. E isso passa por todas as áreas da administração pública. A cultura e o lazer são essenciais na vida de qualquer ser humano. Programas deveriam ser criados e aperfeiçoados para gerar oportunidades iguais. Ver um filme no cinema não deveria ser privilégio de poucos. Ir à praia, muito menos. Em Brasília, é o que simplesmente ocorre. E digo simplesmente porque é desta maneira que se encara a realidade por aqui. Simples.

Quer ver uma coisa. Em maio, o Pontão do Lago Sul – uma das áreas mais valorizadas da capital da República – recebeu um festival de cinema organizado por uma operadora de telefonia móvel. Nada contra. Artistas famosos, filmes clássicos sendo exibidos em um telão de 325 metros quadrados e a promessa de “muita gente bonita”. O custo da “brincadeira”: R$ 50 a inteira e R$ 25 a meia.

Outro evento interessante de se mencionar é o Na Praia. A estrutura fica montada até agosto na orla do Lago Paranoá, atrás da Concha Acústica, e é toda bancada pela iniciativa privada – que nunca joga para ter prejuízos. Não me lembro de ter pagado um centavo para entrar numa praia em minha vida. Existem algumas que até cobram, mas nunca cheguei nem perto. É o segundo ano deste evento em Brasília. O preço da “brincadeira”: Entre R$ 50 e R$ 120. Uma boa quantia em tempos de crise.

Dois eventos que mostram total falta de comprometimento com os jovens que não tiveram e não têm a mesma sorte de outros tantos. Na Estrutural, por exemplo, não existe uma sala de cinema sequer. Colocar um supertelão por lá não daria muito dinheiro, mas talvez mudasse a vida de algumas pessoas para sempre. Nas cidades vizinhas ao DF não tem um Lago Paranoá, mas talvez facilitar o acesso deles à orla e não privatizá-la por meio de projetos como o Na Praia permitiria a alguém imaginar o clima de uma praia de verdade. Até porque só quem nunca pisou numa praia para achar que um lago pode realmente chegar perto da brisa marinha, do cheiro do mar e até mesmo da água salgada no corpo.

O governador Rodrigo Rollemberg lançou uma duríssima e importante campanha pela desobstrução da orla do Lago Paranoá. É louvável. No entanto, ao permitir eventos que limitam o acesso do povo à orla do lago, mostra que nem sempre o espaço público é público de fato. E assim, com a sutileza de atos discricionários, Brasília vai deixando de ser a capital da esperança e das oportunidades para se tornar uma cidade como outra qualquer.

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