Conjuntura & Atualidade | A globalização e o muro de Trump


A Globalização é um conceito multifacetado, pois, possui tantas variáveis, que seria superficial enxergar somente o fluxo comercial para além das fronteiras geográficas nacionais. A globalização se constitui, antes de um fenômeno provocado pelo desenvolvimento tecnológico comunicacional, um grande empreendimento de poder das principais potencias mundiais. Na década de 90, quando os países mais ricos do mundo perceberam a segurança digital necessária para fazerem circular somas estratosféricas de moedas virtuais pelo globo terrestre, as idiossincrasias locais não sustentaram suas identidades.

A lógica que revestia e sustentava os interesses majoritários dos países mais ricos, era manter os países emergentes como fornecedores de Commodities e os miseráveis como um estoque de mão-de-obra barata. Tentaram antecipar preventivamente um instrumental de controle material e ideológico, de modo que o maior acesso às novas tecnologias, não afetassem as margens de lucratividade historicamente engendradas. Zigmunt Bauman, em seu tirocínio intelectual excepcional, ousou denunciar que para a implementação da globalização nos moldes que a conhecemos, foi preciso a imediata exclusão de aproximadamente dois bilhões de pessoas ao redor mundo. Segundo o autor, o qual intitulou tais pessoas como “refugos humanos”, não receberiam nenhum investimento real para a transposição dessa fronteira marginal. Os poucos esforços humanitários, diplomáticos e, até mesmo, das organizações não governamentais internacionais, teriam como propósito a manutenção dessa “barreira sanitária” humana.

No plano da narrativa das políticas internacionais, a hipocrisia é tão velada, que nos fazem crer que os acontecimentos são episódios naturais da própria processualidade histórica. Contudo, basta juntar alguns fatos e decisões, para percebermos que a realidade é o que é, não por falta de outros caminhos ou direções, mas, essencialmente a realidade é o que interessa aos mais fortes e poderosos. Motivado por um projeto de poder no Oriente Médio, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, resolveu apoiar milícias Sunitas contra Bashar al-Assad, Presidente da Síria. Porém, para dar a legitimidade necessária ao levante civil, foi idealizada a fatídica “Primavera Árabe”. Com o mote ideológico de combater os ditadores do mundo Árabe, a soberania de vários países foi violada, sua autodeterminação vilipendiada e milhões de pessoas passaram a engrossar o grupo dos “refugos humanos”.

A Europa, afundada em uma recessão extensa e profunda, viu na Primavera Árabe uma janela de oportunidade para reabilitar suas áreas de influência, bem como, sua base econômica interna. Porém, como nada é absoluto ao se tratar do ser humano, a imprevisibilidade acabou por criar uma condição inimaginável aos estrategistas oportunistas da globalização. O primeiro a abandonar o barco foi o Reino Unido, que referendado pelo “brexit”, passou a defender o fechamento das suas fronteiras. A Alemanha ainda tirou algum proveito dessa hecatombe humana, permitindo o ingresso de um milhão de refugiados em substituição de uma mão-de-obra primária cara e envelhecida. No mais, as cenas de indignidade humana desses “refugos”, arriscando a vida na tentativa de uma sobrevida qualquer, reverberaram pelo mundo.

Donald Trump, como um exímio sensacionalista, pegou o “gancho” nessa onda de medo e incertezas e capitalizou a sua campanha presidencial à Casa Branca. Se na Europa a ameaça vem do outro lado do Mediterrâneo, nos Estados Unidos, da outra margem do Rio Grande. Trump se valeu do velho e anacrônico “maniqueísmo” para criar alguma lógica para o “refugo” americano interno, sem instrução, cultura ou possibilidade de inserção na globalização, uma zona de conforto em seu plano simbólico. Como o preceito da globalização não é investir nos “refugos” humanos, Trump decidiu por impedir a entrada de novos “refugos” para ver se sobra alguns espaços para os internos. A desesperança dos excluídos da globalização é tamanha, que se esqueceram que a globalização não leva em consideração barreiras físicas naturais ou de concreto. O muro de Donald Trump, não passa de uma cortina de fumaça espetacularizada que tenta de alguma forma ocultar dos seus próprios cidadãos uma parte do contrato social do mundo globalizado que não tinha como propósito a inserção dos enjeitados.


Paulo Passos é graduado em Ciências Sociais, mestre em Ciência Política, doutor em Ciências da Religião e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

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