Marco Antônio Pontes | Assaltaram o estado, de gravata ou macacão

 

 

 

 

Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes – [email protected]


Estado capturado

Ruy Fabiano, atilado como sempre, destacou em sua coluna semanal no site Abc Politiko (www.abcpolitiko.com.br) uma frase do ministro Raul Jungmann (Defesa) que passou quase despercebida na imprensa: “O crime organizado capturou o Estado”.

            “Ele se referia ao Rio – constata Fabiano – mas o fenômeno é nacional, abrange os três poderes e é mais visível e palpável em Brasília”.

Falou e disse

O crime organizado, tal qual referido por Jungmann, centra-se ao tráfico de drogas e ramificações – contrabando de armas, roubos a bancos e a empresas de guarda e transporte de valores, cargas rodoviárias.

Seus agentes tomaram de assalto o Rio de Janeiro combalido por fatal combinação: de um lado a queda nos preços e produção de seu principal ativo, o petróleo extraído no mar territorial, de outro sucessivos governos irresponsáveis, gastadores e ineptos, a par de corruptos. Já é desastre pra ninguém botar defeito, tanto mais quando se ramifica Brasil afora com crescente sucesso.

Gravata e macacão

Tragédia maior, porém, é a detectada pelo atilado repórter e analista.

Mais que o Estado do Rio – a unidade federada, e outras que o tráfico quer submeter – o estado brasileiro, a instituição criada pela sociedade para estruturar e administrar a nação é vítima de organização criminosa mais difusa, descentralizada em comparação com seus congêneres do tráfico.

Entretanto, sobretudo nas duas décadas inaugurais deste século e milênio, os criminosos antes ditos ‘de colarinho branco’ (hoje disfarçam-se em macacões operários, também) organizaram-se e sistematizaram a corrupção de forma inédita nestas plagas.

Corrupção sistemática

Se há quase dez anos o mensalão desvelou nova e eficiente maneira de assaltar o estado, visando à manutenção do poder e ao enriquecimento seus ocupantes, agora a Operação Lava a Jato revela-lhe níveis insuspeitados de eficácia.

Em ações bem ordenadas, às vezes quase burocráticas o conluio entre empresários amorais e agentes corruptos do Executivo e Legislativo (até do Judiciário, descobre-se) desviou recursos que se contam em bilhões. Tudo de forma sistemática, estruturada verticalmente no poder federal e disseminada, em parte ‘espontaneamente’, nas demais esferas.

Contra tudo e todos…

É desolador constatar que a revelação de tantos crimes, a resultar em inéditas punições de expoentes do empresariado e seus comparsas no cume do poder político, impressionou pouco os habitantes do ‘andar de cima’ da corrupção. Concluiu-se no Stf a Ação Penal 470, a que processou os 40 ladrões do mensalão – dizem que faltou o Ali Babá da quadrilha –, condenou e aprisionou a maioria deles.

…nada aconteceu e…

A Lava a Jato foi mais fundo, apanhou políticos ainda mais poderosos e empresários mais ricos, sentenciou vários deles – até o ex-presidente em cujos mandatos (e nos as sucessora-poste) institucionalizaram-se as falcatruas. E mesmo assim corruptos da mesma ou diversa extração insistem em iguais práticas, como se nada houvesse acontecido.

…o hábito persiste

É impressionante a força do hábito, a persistência da sensação de impunidade.

Prisão no Brasil sempre foi para ‘os três pês’: pretos, pobres e periféricos. Os moradores de bairros nobres, os ricos e os ‘brancos’ – em nossa curiosa acepção que ‘branqueia’ mestiços de variados tons, desde que bem vestidos e posicionados – costumam sobrepor-se à lei.

As consequências do mensalão e a evolução da Lava a Jato indicam reversão dessas expectativas, mas os historicamente privilegiados parecem não acreditar: não foi sempre assim?, como poderia mudar?

Estranha ausência

            “Em algum lugar entre o fígado e a alma…” – tomo emprestada a inquietação de Mino Carta nos bons tempos em Veja – …assalta-me sensação estranha, de faltar algo nas revelações das trampolinagens de agentes do estado.

Abrem-se as entranhas do Executivo, quase duas centenas de congressistas são investigados e vários deles já são réus, até no Judiciário descobrem-se juízes a vender sentenças, desembargadores a fraudar procedimentos, um arraigado nepotismo e o vezo velho de ignorar, mascarar e justificar remunerações acima do teto…

Limbo conveniente

Em meio a tanta lama duas instituições encarregadas de removê-la, parceiras do Judiciário na limpeza, têm-se mantido à salvo de suspeitas e denúncias: o Ministério Público e a Polícia Federal.

Coincidentemente ambas preservam-se numa espécie de limbo institucional. Procuradores e promotores integram com juízes e advogados o tripé da Justiça porém não o Judiciário, ante o qual são autônomos e tampouco se subordinam aos outros dois poderes da República. Por sua vez os policiais federais pertencem aos quadros do Executivo mas têm ampla liberdade de ação – e é bom que assim seja, em ambos os casos.

Inquieto, só torço

A inquietação poderia expressar-se num dito popular: “Esmola demais, o santo desconfia”.

Procuradores e policiais federais estariam, por alguma razão, infensos às tentações sob as quais soçobram juízes, congressistas, ministros de estado, dirigentes de empresas estatais? Ou não?, apenas teriam o velho e útil corporativismo a ocultar-lhes eventuais deslizes?

Torço pela primeira hipótese.

Ouviu o galo cantar,…

Prestigiada jornalista formada na velha e boa escola do Jornal do Brasil, com passagens pela Folha de S. Paulo e outros veículos de ponta, Eliane Catanhede equivocou-se ao comentar o ‘inchaço’ das metrópoles e tentar explicá-lo em Brasília (GloboNews, Em pauta, 30.08).

Em vez de exercitar os dotes de repórter que a elevaram ao merecido status, checar fontes, conferir informações, preferiu reproduzir um já desmentido equívoco ao afirmar que o Distrito Federal cresceu além do razoável porque seus governantes criaram núcleos urbanos e ofereceram lotes de graça, com o que teriam atraído migrantes de sua área de influência.

…não soube onde…

Foi nada disso. Brasília de fato atrai migrantes de um vasto espaço que extrapola seu entorno imediato goiano e mineiro, aqui chegam famílias vindas de áreas mais remotas, inclusive do Norte e Nordeste. Porém esses novos retirantes não deixam suas plagas por falta de lugar onde morar: sabidamente, a terra não é recurso escasso naqueles sertões empobrecidos.

…nem por quê

Lá eles tinham teto, mesmo precário e terra, embora seca. Só não tinham meios – técnicos, financeiros – com que produzir no ambiente adverso, nem infraestrutura econômica que lhes desse suporte – energia, transporte, acesso a tecnologia –, muito menos serviços sociais que equalizassem oportunidades – socorro aos mais desvalidos, educação, saúde.

Emprego, saúde

O que fez crescer a população de Brasília muito além das projeções de seus construtores, à semelhança do ocorrido nas capitais nordestinas e nas metrópoles nacionais, foi a busca de oportunidades quando escasseavam alternativas nos rincões originais.

No caso de Brasília e seu entorno imediato, além de emprego os imigrantes buscavam (buscam) socorro tão mais decisivo na medida em que sua ausência é fatal: os serviços de saúde. Tudo o mais o mais parece secundário, ante tal emergência.

De Bh a Miami

Meu amigo Ronaldo Junqueira, brilhante jornalista propenso a boutades iconoclastas, há coisa de quarenta anos explicou o desequilíbrio entre oferta e demanda por serviços de saúde no Distrito Federal numa frase tão simples quanto verdadeira:

– O Hdb [hoje Hospital de Base) é o único hospital decente entre Belo Horizonte de Miami.

Claro, hoje há outros nesse caminho, dentro e fora do Brasil; mas a rede de saúde brasiliense segue pressionada pela clientela que vem de longe e tem de ser atendida, evidentemente.

Lembrando o Granbery

Granberyenses de Brasília, reservem a data: dia 7 de outubro, sábado, teremos nosso encontro anual de confraternização.

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